A
aposentada Maria da Conceição trocou o contrafilé por carne moída e peito de
frango. "E ainda misturo com bastante arroz para render mais". A
desempregada Lilian Silva de Oliveira aderiu às marcas próprias dos
supermercados, geralmente mais em conta. "E compro tudo em menor
quantidade".
A
analista administrativa Tatiana Medeiros substituiu o cream cheese pelo
requeijão, mas manteve o achocolatado da melhor qualidade. O comerciante
Dailson Pereira de Sousa só pega o que estiver em promoção, mas não abre mão do
refrigerante mais caro. A empregada doméstica Alcione América de Souza preferia
melancia e manga, mas passou a se contentar com banana e maçã - estas, mais
baratas.
Com
a inflação beirando os 10% no ano
agora em 2015, o comportamento dos brasileiros no supermercado mudou.
A mesa está menos farta, a variedade de produtos é menor, mas, ao economizar
comprando menos quantidade e menos itens, sobra um trocado para levar ao menos
um "luxo", como que em um afago à memória dos tempos de bonança - ou,
ao menos, para se sentir menos pobre.
Essas
são algumas das conclusões da pesquisa feita pela Dunnhumby, consultoria de
mercado com sede em Londres, obtido com exclusividade pelo site de VEJA.
"A
crise força os clientes a tomar decisões mais fortes e conscientes", diz
Adriano Araújo, diretor geral da Dunnhumby no Brasil, onde a empresa tem como
clientes empresas como Pão de Açúcar, Coca-Cola, Drogasil e Unilever.
"Assim, ele escolhe categorias que realmente fazem a diferença para ele.
Nas categorias menos importantes, ele vai para o mais barato."
Os
salgadinhos são os primeiros a serem riscados da lista: 30% dos entrevistados disseram
que não os compram mais. Em relação aos produtos de limpeza, os mais
baratos agora são os mais procurados - 38% dos consumidores ouvidos afirmaram
ter optado por marcas mais econômicas.
Já
com bebidas alcóolicas (cerveja, vodca e vinho), a qualidade é o que mais
importa -42% afirmaram ter mantido a
marca, mas reduzido a quantidade. Obviamente, os alimentos básicos (arroz, feijão e açúcar)
continuam a vender a todo vapor - 54% disseram ter conservado o mesmo padrão de
consumo de antes da crise.
Sim,
a crise força compras menores e de versões mais baratas de produtos essenciais.
Mas, no Brasil pós-ascensão da classe C, agora a carestia dá chance a um mínimo
de autoindulgência.
"Os
dois extremos - o dos produtos mais baratos e o dos mais caros - são os menos
afetados. A faixa intermediária é a que se dá pior", afirma Araújo. A
Dunnhumby ouviu 700 consumidores das classes A, B e C entre os dias 25 e 28 de
agosto deste ano.
Segundo
a pesquisa, 80% dos entrevistados declararam economizar em determinados
produtos para manter o luxo em outros. É o caso da empregada doméstica
Alcione Souza, de 26 anos. Mãe de uma menina de 4 anos, ela diz que cortou tudo
o que podia.
"Mas
com criança não dá para cortar leite, biscoito e 'Danone'. Por isso, economizo
no material de limpeza. Nem sei mais o nome do sabão em pó que compro",
diz.
O
mesmo raciocínio, embora com outros itens, fez a funcionária pública Ivete
Santos, de 46 anos. Ela diz ter eliminado de sua lista de compras o que chama
de "besteirinhas" - salgadinho e biscoito -, mas na sua geladeira não
podem faltar os iogurtes funcionais. "Para mim, eles são saúde".
"O
necessário, somente o necessário. O extraordinário é demais", cantarola a
professora Maria Rosa, de 83 anos, ao ser perguntada sobre o que continua
comprando com o orçamento mais apertado. "Antes eu comia mais fruta do que
arroz e feijão. Agora, é o contrário", conta. Ainda assim, ela não
eliminou alguns luxos, como tomar uma taça de vinho à noite no jantar. Em vez
das caras frutas, arroz e feijão - e vinho.
As
principais vítimas da alta dos preços são os mais pobres. Nos cálculos da
Associação Paulista de Supermercados (Apas), enquanto as classes A e B gastam,
em média, 22% da sua renda com o abastecimento de produtos básicos, as classe
C, D e E consomem 40% da renda.
"O
brasileiro tentar manter o seu padrão de consumo. O país teve uma evolução
muito rápida nos últimos anos. E essas pessoas que nunca tiveram acesso a
certos produtos não querem mais perdê-lo", diz Rodrigo Mariano, economista
da entidade.
De
acordo com a Dunnhumby, mais da metade dos brasileiros (66%) passaram a visitar
mais supermercados em busca do melhor preço. A vendedora Maria das Graças Silva
Lima, de 61 anos, leva a prática bastante a sério.
Ela
diz saber de cor os dias de oferta dos mercados da região onde mora, na Santa
Cecília, no centro de São Paulo - "na quarta-feira, é no Extra e no
Futurama. Na quinta, é no Dia" -, e os melhores locais para comprar
determinados produtos - "verdura é mais barato no Todo Dia, produtos de
limpeza no Dia, e no Extra às vezes tem umas boas promoções".
Ao
final de cada compra, Maria pega a nota fiscal e olha item por item. Se pagou
algum centavo a mais, volta rapidamente ao caixa. "Na semana passada, me
devolveram 9 reais porque o preço que caiu na tela não era o mesmo da
estante", diz, orgulhosa.
No
último dia 9, ela ficou com vontade de comprar uma melancia. "Mas por sete
reais eu não levava", contou. E deu um jeito: achou uma mulher que topou
dividir a fruta com ela. Cada uma ficou com uma parte por 3,50 reais.
Veio para ficar
Dos
números, os especialistas tiram a seguinte lição: com a crise, os brasileiros
estão ficando cada vez mais parecidos com os consumidores de países
desenvolvidos, como Estados Unidos e Europa.
O nível de exigência aumentou e eles não se contentam mais em
escolher entre apenas dois tipos de mercadoria na prateleira. "Ele passa a
demandar mais diversidade e um mix maior na cesta. Então, o supermercado não
pode mais ter só uma marca de molho, mas no mínimo sete", diz Mariano.
Para
Ricardo Alvarenga, especialista em tendências de mercado da consultoria
Nielsen, este é um ótimo momento para as marcas desafiantes - as que não são
líderes dos segmentos - ganharem espaço no mercado. "Na crise, as pessoas
ficam mais abertas para experimentar, conhecer novos produtos. E, se gostarem,
é possível que continuem com ele quando a situação melhorar. As mudanças vêm
para ficar", afirma.
Em
contrapartida, argumenta o especialista, as marcas mais consolidadas têm mais
capacidade para inovar e formular estratégias mais certeiras para atrair os
clientes. Segundo estudo da Nielsen, elaborado entre fevereiro e abril deste
ano, 29% das 127 marcas líderes perderam volume de vendas em comparação com o
mesmo período do ano passado.
Essa
procura pelo menor preço alavanca a venda de produtos de marca própria. É o
caso do carro chefe do Grupo Pão de Açúcar, a Qualitá. Segundo o gerente de
marcas exclusivas do grupo, Rafael Berardi, o volume de vendas da marca cresceu
10% neste ano em meio ao fraco desempenho do varejo. Berardi também ressalta que
só as marcas próprias já respondem por 11% da comercialização de todos os
produtos da rede - em 2010, esse porcentual estava em torno de 6%.
Lilian
de Oliveira, de 26 anos, é um bom exemplo desse fenômeno. "Eu vou no Dia
porque gosto das marcas de lá. É mais barato", diz "Mas na crise até
elas estão ficando mais caras."
Para
não perder o controle das suas finanças, Lilian passou a racionalizar os
gastos. "Eu ainda compro tudo o que comprava antes, mas em menos
quantidade. Se pegava quatro, agora só pego dois", diz.
Ela
também entra em outra estatística, que só vem crescendo com a crise econômica,
a do dsemprego - há dois meses foi demitida do
restaurante onde trabalhava, que fechou as portas por falta de movimento.
"Só espero para ver quando vai acabar essa carestia. Coitados de nós,
brasileiros: sem trabalho e com tudo aumentando". A aposentada Maria
Francisca da Silva, de 63 anos, resume bem a situação: "O que antes eu
comprava com 100, agora dá 300 reais. Se continuar assim, a coisa vai ficar
preta".
Fonte: Por Eduardo Gonçalves com reportagem de Luís Lima, in
Veja, disponível em http://boo-box.link/22RPB
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