Aos 27 anos, Meredith Levine considera estar no lugar certo,
na hora certa. A jovem americana, que se formou em Comunicação e Cultura e tem
pós-doutorado em Estudos Críticos da Mídia, ambos realizados na Universidade da
Califórnia (UCLA), trabalha na Zefr, empresa do Vale do Silício, que vem sendo
chamada de revolucionária na área do marketing direcional.
A inovação da Zefr é segmentar e estudar a participação dos
usuários do YouTube e os vídeos compartilhados na plataforma para, a partir
disso, criar oportunidades de negócios para marcas, companhias e empresas de
mídia.
Meredith faz parte da equipe de pesquisa da Zefr e seu cargo
oficial tem um nome incomum — “fantropologista”, ou “fantropóloga”. Além de
estar sempre pesquisando manifestações bacanas de fãs, parte de seu
trabalho é combinar dados de estudos e ferramentas de análise das mídias
sociais. A partir disso, ela identifica tendências, modismos, linguagens,
subculturas e o comportamento padrão de fãs em plataformas como Facebook,
YouTube, Twitter e Snapchat. Meredith tem um e-book publicado, The Anatomy of a
Fan, e assina um blog na Zefr.Pessoalmente, ela diz gostar muito do YouTube,
ainda que passe mais tempo no Facebook do que em qualquer outra rede social.
Mergulhada no mundo digital, ela também tem seu lado fã. Adora a série Doctor
Who, da britânica BBC. A americana está pela primeira vez no Brasil. Acaba
de dar uma palestra na youPix Con, em São Paulo, com o tema “Comporte-se
como um humano: por que fãs importam e a autenticidade domina”. Antes de
chegar ao país, ela conversou com o Draft por Skype.
A seguir, os melhores trechos da conversa:
Você
se intitula uma fantropóloga. O que é a fantropologia?
É o estudo do comportamento de fãs e suas comunidades. Em meu
trabalho, utilizo metodologias de pesquisas antropológicas e as aplico no
estudo das comunidades de fãs.
Qual
é o perfil de um fã? Ele precisa ser um heavy internet user?
Não. Fãs existem há muito tempo, desde antes da internet e
das redes sociais. São pessoas que se identificam através de algo ou alguém que
gostam. E eles não precisam necessariamente usar a internet. A idade dos fãs
depende da plataforma que você está analisando (no Snapchat eles são mais
jovens, no Facebook são mais adultos, por exemplo). Há comunidades de fãs que
são geracionais, como os de One Direction, mas às vezes ela pode ser
multigeracional, como os fãs de Doctor Who. Mas as comunidades de fãs não são
obrigatoriamente jovens.
Qual
a diferença de comportamento de fãs no passado e agora, com a existência das
mídias sociais?
Hoje em dia há muito mais atividades sendo realizadas pelos
fãs e é muito mais fácil para eles fazerem coisas sozinhos. Com os Beatles, por
exemplo, os fãs faziam cartazes, iam aos aeroportos e shows e confeccionavam
roupas e figurinos. Trazendo para hoje, os fãs do One Direction produzem
histórias de ficção (fanfiction) e vídeos, fazem a cobertura de seus shows.
Isso sem deixar de ir aos aeroportos, aos shows e a gritar como antigamente. A
diferença é que hoje em dia existe mais evidência e registro da presença
dos fãs: há fotos, snaps etc. É muito mais fácil rastreá-los.
Como
é possível diferenciar um grupo de fãs comum de uma comunidade relevante e
influente?
Através da participação. Você pode simplesmente se intitular
um fã de Harry Potter ou Tyler Oakley (vlogueiro e ativista americano da causa
LGBT). Mas você pode também participar de uma comunidade que organiza
encontros, por exemplo. E pode haver ainda outro grupo, dentro dela, que não
somente se envolva nestas reuniões, mas também compartilhe o conteúdo delas nas
redes sociais. Por último, existem os fãs superativos: aqueles que fazem
parte de uma comunidade ainda ativa, que escreve livros e faz vídeos sobre os
seus assuntos de devoção.
Qual
é o poder real de uma comunidade de fãs?
Está aumentando cada vez mais. Atualmente há um feedack loop
para empresas, artistas e marcas. Há trinta anos, se você fosse fã dos Beatles,
a única maneira da banda saber que você gostava deles, seria você escrever
cartas, ir a shows ou se um fotógrafo de jornal te fotografasse na
frente do hotel em que eles estivessem. Mas agora, através das redes sociais,
há uma maneira de haver uma conversa mútua – entre fã e banda. Então, em
teoria, seria possível conversar com um integrante dos Beatles se eles
estivessem na internet. As comunidades têm impacto e são importantes porque
celebridades, marcas e empresas de mídia precisam se comunicar com seu público.
Elas não podem simplesmente usar a publicidade e ponto final. Porque há mais
expectativas a serem preenchidas.
Empresas,
marcas e celebridades já se deram conta da importância de seus seguidores para
seus negócios?
Estão começando a dar. Quando os fãs produzem vídeos ou
postam conteúdos nas redes, é o que chamamos no meio acadêmico de trabalho dos
fãs. Eles estão fazendo um trabalho com um valor real e que, de outra maneira,
as companhias teriam que pagar para vê-lo realizado. É uma contribuição ao
marketing. Algumas empresas de comunicação já entendem parte disso. As mais
antenadas estão começando a mudar suas estratégias de marketing e
de distribuição para que os fãs possam ter o que querem, quando querem e
da maneira como querem.
Você
poderia dar um exemplo bem-sucedido da interação entre uma marca e seus fãs?
Há um evento internacional chamado BeautyCon. Muitas
companhias e marcas de cosméticos o patrocinam e possuem estandes no pavilhão
de convenções. A feira é específica para fãs que publicam no Instagram,
escrevem blogs ou produzem vídeos sobre moda e beleza. São os produtores de
conteúdo mais influentes do setor. Então este é um evento em que empresas e
marcas se encontram com estas pessoas, divulgam e comercializam novos produtos,
celebram com seus fãs. Meu exemplo favorito de comunicação com fãs é o da série
da MTV Teen Wolf no Twitter (@MTVteenwolf, com 1,6 milhão de seguidores). Eles
são muito bons porque, ao contrário de muitas empresas, quando alguém tuíta
para eles, respondem não com uma rmensagem automática, enviada a todos, mas com
textos feitos por pessoas, como o gerente de mídias sociais do MTV Teen Wolf.
É
possível ganhar dinheiro com estas comunidade de fãs?
Na maior parte das vezes, os fãs já são os principais
clientes dessas empresas e marcas porque gostam do que elas produzem. O que
acontece é que esses fãs estão fazendo todo o trabalho de promoção e
marketing gratuitamente para o negócio crescer, beneficiando as marcas que eles
gostam. As companhias precisam perceber isso e, talvez, mudar o modelo de
marketing delas, o que as fará economizar mais dinheiro.
É
essencial que as empresas aprendam a linguagem de seus seguidores? Em seu blog,
você menciona um dicionário dos fãs. Como é isso?
É muito importante estudar e conhecer essa linguagem,
porque isso ajuda a mostrar que as marcas entendem que as pessoas compram
aquilo que elas estão vendendo. Revela que eles compreendem os anseios e
desejos da comunidade que, desta forma, podem se tornar participativas. Todos
os dias, milhares de conversas que acontecem online em que as
empresas não estão envolvidas. Às vezes, elas deveriam estar envolvidas, outras
vezes não. Mas é importante que as empresas saibam o que está sendo
dito sobre elas porque isso é parte de atendimento ao consumidor, pesquisa,
marketing. Há diversas áreas dentro da organização que podem se beneficiar
ao saber o que os fãs estão dizendo ou fazendo.
As
redes sociais têm um impacto inegável na reputação das empresas.
A espanhola Zara já teve de pedir desculpas publicamente e retirar
das lojas uma peça de roupa infantil que fazia lembrar um uniforme de campo de
concentração. As companhias tradicionais já aprenderam a usar as mídias digitais
da forma mais apropriada?
Algumas aprenderam, outras não. Ainda há muitas empresas que
não participaram das discussões e não estão presentes nos lugares onde novos
públicos e consumidores podem ser encontrados. Muitas marcas não sabem usar,
por exemplo, YouTube ou Twitter. Essas plataformas exigem abordagens diferentes
e algumas companhias ainda usam o YouTube só para divulgar seus comerciais. Ao
fazerem isso, não fornecem nenhum conteúdo ou valor para seus fãs ou
consumidores. Só usam o YouTube para promover seus produtos. O mesmo
acontece em outras plataformas sociais. Algumas empresas ainda utilizam as
mídias sociais para simplesmente dizer alguma coisa e obter uma resposta. Mas
elas não funcionam assim.
Fãs
podem ajudar muito o negócio, mas também podem arruinar a imagem ou a
reputação de uma empresa. É possível “controlá-los” ou determinar seu
comportamento?
Não. Mas é possível ouvir e responder. E engajar. O problema
é quando não há respeito ou uma resposta adequada a eles. Escrevi um texto há
algum tempo sobre o caso do músico que voou com a United Airlines e seu violão
chegou quebrado (a história se tornou viral porque ele gravou uma música sobre
o incidente e postou nas redes, o que foi péssimo para a imagem da companhia
aérea). As marcas precisam parar de negar e saber lidar com a crítica,
tornando-as algo construtivo. Fãs sempre vão falar o que querem e da
maneira como querem. As empresas devem escutar, participar e responder da
melhor maneira possível.
Atualmente
o YouTube é a principal e mais importante plataforma para os fãs?
Depende. É uma delas. Se você está falando de vídeo, sim.
Especialmente para marcas. Há também o Tumblr. Mas ele é diferente, mais
difícil de participar. De certa forma, é mais escondido. As marcas ainda não
conseguiram entender sua linguagem. Porém, é o principal para os fãs mais
tradicionais de mídia.
E
o Facebook?
Facebook é o novo jornal. Ou o clube dos fãs, onde eles encontram
as novidades e notícias. É uma grande plataforma de compartilhamento. O
Facebook não é usado tanto para dialogar, mas é um espaço em que as pessoas
buscam informações ou promoções.
Na
teoria, a análise de dados pode ajudar a conceber campanhas mais eficientes, direcionadas
a públicos super específicos. Como isso funciona na prática?
No caso de um anúncio para um comunidade bastante pequena,
funciona bem, escolhendo as plataformas certas. Na Zefr, o que fazemos quando
uma companhia nos procura é usar softwares para segmentar o YouTube e se sua
empresa, por exemplo, produz videogames, fazemos propaganda dele e de sua
marca. Podemos limitar ou ampliar este alcance da maneira que queremos. Mas
parte disso é entender a escala versus hyper-targeting. Hyper-targeting é
importante para atingir as pessoas certas, no momento certo, mas para algumas
marcas, isto pode significar um público pequeno demais.
Na
sua opinião, qual a melhor ferramenta ou software para buscar informações de
grupos de fãs e transformá-las em oportunidades de negócios? Como você faz
isso, no seu trabalho diário?
Depende da plataforma. Para o Youtube, Zefr é o melhor, mas
eu trabalho lá (risos). Para outras plataformas, Twitter, Facebook, Tumblr,
existem muitos outros softwares. Muita gente prefere Union Metrics para o
Tumblr, apesar de haver outras companhias. Mas para Facebook e Twitter há
muitas opções. Para escolher a melhor ferramenta de monitoramento de fãs, é
preciso levar em conta o tamanho da empresa, os objetivos dela, o preço do software
e o que ela quer saber. Todavia, para o Snapchat, ainda não existe nenhum
programa. Não há como saber, a plataforma foi construída propositalmente assim.
Como
você enxerga o futuro do vídeo online? E o que as marcas podem fazer para saber
onde estão e quem são seus fãs e consumidores?
Acredito que será uma estratégia que combine earned media
(quando o consumidor ou veículos falam sobre a marca espontaneamente), owned
media (conteúdo que a marca produz e distribui sem a intermediação de
canais que não sejam da própria marca) e mídia paga (publicidade). Será
produzir o conteúdo certo que deverá ser interessante e tenha valor para os fãs
em diferentes plataformas, o que significa que o conteúdo em cada uma delas
será distinto. Para uma empresa, por exemplo, talvez não faça sentido estar no
Snapchat. O importante é descobrir onde se deve estar e ter gerentes de mídias
sociais que saibam como comunicar usando a linguagem de sua marca. Vídeos
precisam ser divertidos ou informativos. Ou ambos. Isso para owned media. Já a
estratégia para earned mídia é escutar o que as outras pessoas estão falando
sobre você nestas plataformas e usar as mídia sociais para mensurar o marketing
boca-a-boca e ter dados para pesquisas. Por último, a estratégia para mídia
paga deve ser colocar anúncios em frente ao público certo e com o formato
adequado para aquela plataforma.
Fonte: Por Suzana Camargo, in Projeto Draft, disponível em http://boo-box.link/235KI
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