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Os múltiplos “eus” de todos nós

Você conhece a Vera. É aquela loirinha bronzeada, que malha três horas diárias na sua academia. Tem piercing na barriga de “tanquinho” e adoraria ter um namorado “firme”. Só que em sua vida só aparecem “casos” efêmeros, geralmente com homens muito mais jovens do que ela. Vera tem espírito de 24, corpinho de 34, mas idade cronológica de 44 anos. Ela navega no Par Perfeito procurando algo além de um “ficante”.

Você também conhece o Leonardo, aquele seu vizinho careca do 402. Sabe que ele tem três filhos do primeiro casamento e já é avô de um garoto de seis anos. Tem 55 anos, mas ainda mantém alguns hábitos de quando tinha 25, como andar de moto e pegar onda no fim de semana. Leonardo está agora na maternidade e você, em breve, irá visitá-lo para conhecer o seu quarto filho, fruto de seu segundo casamento com Malú, vinte anos mais nova. Você pode acompanhar o nascimento do menino no site da maternidade e ainda mandar recados em tempo real. Show!

Renata, sua colega do departamento administrativo da empresa em que você trabalha, aquela da maquiagem carregada que sempre usa roupas da última moda, que faz malabarismos para se dividir entre dois empregos e acumula dívidas no cartão de crédito. Pelo critério Brasil, Renata pertence à classe C, mas seu anseio pela imagem faz com que compre semanalmente artigos de luxo, parcelados em no mínimo 12 vezes. Ah! Como não poderia deixar de ser, ela acaba de adquirir o último modelo de uma bolsa de marca francesa, aquela que você nem ousa olhar na vitrine. Mais ainda. Ela reúne as fotos e filmes da turma dela no Orkut, todas tiradas do celular turbinado que ela tem. Muitos megapixels totalmente dominados por ela.

Então, já os reconheceu? Sim! Eles estão por toda parte. Mas eles são “apenas isso”? Somente algumas linhas os descrevem por completo? Claro que não e você sabe disso! Quais são seus sonhos e medos mais íntimos? Quais são suas alegrias e tristezas mais secretas? Como se relacionam com as marcas? Se você tivesse que desenvolver um planejamento de comunicação, conseguiria agrupá-los em um determinado perfil de “público-alvo” considerando somente o sexo, a idade e a classe social?

Certamente você está neste momento balançando a sua cabeça e pensando... não, não é possível! Porque as variáveis demográficas neste caso não dão conta do que estamos falando... É necessário, portanto, fazer uso de um estudo de perfil psicográfico bem estruturado, com capacidade para analisar e interpretar os meandros das complexas subjetividades que estes personagens - e todas as demais pessoas - podem nos revelar nos ambientes físico e virtual.

Diante da revolução tecnológica, da melhoria de qualidade de vida, da promessa de maior longevidade, do aumento da diversidade de formas de relacionamentos amorosos e das constantes transformações nos hábitos sociais, familiares, de lazer, de consumo e de mídia que invadem nossos dias, os profissionais de marketing e de comunicação precisam – cada vez mais – manter-se alertas, acompanhando continuamente as transmutações do público que pretendem estudar, evitando “rotular” os indivíduos em “caixotes” simplificados. Renomados estudiosos como Zygmunt Bauman, Richard Sennet, Anthony Giddens e Manuel Castells - apenas para citar alguns – reúnem importantes registros sobre o tema.

Até mesmo os poemas da atualidade nos revelam a aparição deste fenômeno da identidade multifacetada. A poetisa Ângela Rodrigues, por exemplo, nos descreve como ela enxerga o perfil do homem contemporâneo: “É aquele que vive dentro de múltiplas identidades deslizantes, um homem plural acima de tudo”. Ângela complementa suas idéias pincelando com magia seu papel de mulher contemporânea: “Sou muitas e nenhuma, sou o que me permito construir, todo dia me renovo e me desfaço, colocando peças aqui e ali, tiro excessos, junto pedaços e de muitas me faço uma!”

Agora que já compartilhamos com você este cenário atual de “indefinição do eu”, gostaríamos de enriquecer estas idéias com dois exemplos de casos verídicos que recentemente encontramos em nosso trabalho de pesquisa de mercado, quando fizemos uso da netnografia digital, que consiste na leitura atenta dos depoimentos postados espontaneamente na internet.

Primeiro caso: Silvana, uma mulher “na casa dos quarenta” se revela assim em um site de relacionamentos:

“Quem sou... Essa é uma pergunta extremamente complexa. Poucos sabem dizer quem realmente é! Não por desejar se esconder, mas porque somos mutantes (Graças a Deus por isso!), e como mudamos dizer de forma finalizada quem somos é quase impossível”.

Segundo caso: Henrique, um rapaz “na faixa dos vinte” se apresenta desta maneira em outro site de relacionamentos (atenção! os erros gramaticais foram mantidos propositalmente):

“Sou eu assim meio que sei la sabe, sou eu como todos e como ninguem, sou eu vivendo, sou eu morrendo as vezes (...) É este sou eu as vezes triste, outras felizes (...) mas nunca igual (...) Se tem algo que sei é que não sei quem sou”.

E então, responda agora: o que Vera, Leonardo, Renata, Silvana e Henrique têm em comum?

Acertou! São indivíduos com “múltiplos eus”. São muitos em diferentes momentos do dia. São camaleões heterogêneos, são desejos mutantes, são emoções que se descarregam, são conceitos que se desintegram, são simples e complexos, são “preto no branco”, são flicts, são mistério... não, eles não são: eles estão.

E cabe a você, cabe a nós, que somos profissionais voltados para o conhecimento do consumidor, manter as antenas conectadas no sentido de decifrar novos nichos, captar tendências inovadoras, entrelaçar achados e interpretações que possibilitem ter em mãos um diferencial inigualável para inspirar planejamentos estratégicos que “saiam do lugar comum” e peças publicitárias impactantes que valorizando, as marcas, as façam “sair à frente”.


Fonte: Por Betty Wainstock e Ricardo de Castro, in www.mundodomarketing.com.br

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