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O apagão da Telefônica expõe problemas na empresa

Os sucessivos problemas apresentados pelo Speedy, o serviço de banda larga que a Telefônica vende no estado de São Paulo, culminaram numa punição extrema da Anatel: a suspensão da venda de novas assinaturas por um mês, pelo menos. A empresa se comprometeu com a agência reguladora a antecipar investimentos e a melhorar a qualidade do serviço prestado a seus mais de 2,7 milhões de clientes de internet rápida. As mudanças na Telefônica vão muito além das admissões públicas de culpa e das promessas de conserto - os espanhóis enviaram emissários para acompanhar a situação de perto e, em alguns casos mais críticos, intervir. Mas, além de expor deficiências estruturais da operadora, a crise do Speedy trouxe à luz outro problema fundamental: a falta de competição na banda larga. A privatização do sistema Telebrás foi um sucesso indiscutível e removeu um obstáculo para o salto de competitividade das empresas do país e a integração do Brasil com o restante do mundo. Mas ainda há muito a fazer. Assim como as ferrovias e a eletricidade revolucionaram as formas de produção e os padrões de vida nos últimos dois séculos, o acesso à internet em alta velocidade talvez represente a infraestrutura mais importante para o desenvolvimento econômico no século 21. Reino Unido e Austrália, apenas para ficar em dois exemplos, anunciaram planos ambiciosos para garantir que todos os seus cidadãos tenham acesso de boa qualidade à internet. Por aqui, essa discussão ainda nem sequer começou - e ela passa inevitavelmente pelo aumento de opções para os consumidores.

O ponto mais urgente, porém, é a estabilização dos serviços da Telefônica. Além de pecar no planejamento, a empresa cometeu erros considerados elementares pelos especialistas, como a falta de isolamento entre um ambiente de testes e a rede principal, que levou a uma das panes. "Reconhecemos que cometemos erros e estamos providenciando as correções de forma acelerada", diz Antonio Carlos Valente, presidente do grupo Telefônica no Brasil. Ele próprio reconhece que o problema não é trivial e afirma que pode haver mais instabilidades nos próximos três meses. E as mudanças não acontecerão simplesmente na infraestrutura física. Nos corredores da empresa, o clima anda quente. Em conversas com diversas pessoas ligadas à empresa, EXAME apurou que o executivo argentino Mariano de Beer, responsável pelo lançamento do Speedy, nove anos atrás, foi trazido de volta da matriz, na Espanha, para lidar com os problemas de infraestrutura. Nas últimas três semanas, sob ordens da matriz, vieram também cerca de 15 estrangeiros, especialmente para olhar as questões tecnológicas. A volta de De Beer seria um sinal de desprestígio para o diretor-geral da empresa, Luiz Malvido, executivo argentino responsável por um profundo programa de cortes na Telefônica.

Fornecedores e ex-funcionários afirmam que a demissão de cerca de 40 executivos, além de vários funcionários de menor escalão, pode ter potencializado os problemas. Além do corte de vários profissionais da área de redes, engenharia e tecnologia da informação, a terceirização virou uma diretriz e se espalhou por diversas divisões da companhia, o que pode ter aumentado a vulnerabilidade da empresa a falhas. No final de junho, numa reunião com fornecedores para tratar da compra de equipamentos da infraestrutura de banda larga, a ausência de Malvido foi notada. "Esperávamos a participação dele", disse a EXAME um dos presentes. (A Telefônica afirma que Malvido não participou do encontro por problemas de saúde.) "Tenho dó do pessoal de lá. Só apagam incêndios", diz outro fornecedor. Oficialmente, a Telefônica nega que os cortes feitos por Malvido tenham tido algum impacto na piora dos serviços de banda larga.

Quem quer ver o fogo debelado, e logo, são os consumidores do estado de São Paulo que só têm o Speedy como opção de acesso rápido à internet. As operadoras de TV paga cobrem apenas alguns municípios. As redes de terceira geração de telefonia celular se apresentam como um serviço de banda larga sem fio, mas a infraestrutura é muito nova e a velocidade e a confiabilidade ainda não se comparam às dos serviços fixos. "Não há mecanismos no modelo do setor de telecomunicações que garantam uma competição efetiva", diz Guilherme Ieno Costa, especialista em telecomunicações do escritório Koury Lopes Advogados. Hoje, a principal competição com a Telefônica (e com a Oi-BrT, no restante do país) são as operadoras de TV paga. Mas essas empresas são regidas por outra legislação e não têm obrigação de oferecer também o serviço de banda larga. Em São Paulo, cerca de um terço da população vive em áreas que não têm uma alternativa fixa além da Telefônica. Nessas regiões, diga-se, quem precisar comprar acesso rápido hoje vai ficar na vontade, pois a proibição da venda do Speedy ainda está em vigor.

Medidas como essa podem fazer parecer que a Anatel, a agência reguladora do setor de telecomunicações, está cumprindo seu dever, mas muitos especialistas pensam diferente. Eles apontam para o fracasso do unbundling, como é conhecida a separação da infraestrutura física da rede dos serviços. Na prática, isso significa que a Telefônica teria de alugar sua rede para que outras empresas prestassem o serviço de banda larga, por exemplo. Mas isso nunca ocorreu - os preços cobrados dos potenciais concorrentes sempre foram considerados altos demais. "Deveria existir uma medida compulsória para baixar esses valores e transformar o unbundling realmente num instrumento de competição", diz Carlos Ari Sundfeld, professor da Fundação Getulio Vargas e um dos autores do modelo da privatização do sistema Telebrás. Outra maneira de estimular a competição seria criar redes sem fio, que custam menos e podem ser erguidas em menos tempo. Trata-se da tecnologia WiMax, um padrão aberto semelhante ao Wi-Fi, mas de alcance muito maior. Há três anos o leilão das frequências para que o WiMax seja oferecido ao consumidor final está parado. A própria punição da Telefônica veio tarde demais, segundo Ethevaldo Siqueira, consultor e jornalista especializado em novas tecnologias. "O problema já tinha dimensões gigantescas. A agência não poderia tolerar a oferta de um serviço sem o cumprimento do contrato de entrega ao usuário", diz. Procurada por EXAME, a Anatel não se pronunciou.

Ao defender a proposta de universalizar a banda larga no Reino Unido até 2012, o premiê do país, Gordon Brown, afirmou: "A conexão rápida à internet é tida hoje como um serviço essencial, indispensável como eletricidade, gás e água". É claro que, no Brasil, há problemas cuja solução é mais urgente. Mas não há dúvidas de que o acesso à rede deveria ser um tema prioritário na agenda do país. Um estudo recente da London Business School estima que a incorporação de elementos tecnológicos no dia a dia da população - como celulares, computadores e internet - possa representar uma elevação de até 0,5 ponto percentual do PIB. Roberto Martins, secretário da área de telecomunicações do Ministério das Comunicações, afirmou que o plano para expandir a banda larga pelo país está em curso. Até 2011, segundo Martins, todos os municípios brasileiros receberão as grandes linhas de comunicação. Depois virá o trabalho de efetivamente disseminar os pontos de acesso para residências, empresas e órgãos públicos. Ainda não há um prazo previsto para essa segunda fase. Aos consumidores, só resta a esperança de que, até lá, pelo menos os problemas básicos da infraestrutura da Telefônica tenham sido resolvidos.


Fonte: Por Luiza Dalmazo e Camila Fusco, in portalexame.abril.com.br

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