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"Prezado (a) cliente" é a vovózinha

Você já deve ter se deparado algum dia com um serviço de atendimento do tipo "prezado (a) cliente", ou seja, aquele que, mesmo sendo acessado por uma pessoa de carne e osso, com nome, RG e CPF, retorna sempre com uma resposta genérica, padronizada, como se não estivesse se referindo a ninguém em particular.

Convenhamos, como diz o caboclo, é o fim da picada. Isso porque um serviço de atendimento de qualidade deve pautar-se pela personalização dos contatos, pela valorização do relacionamento, pelo respeito ao consumidor. Quem quer realmente entender, ouve, procura o diálogo. Mas, infelizmente, não é assim que acontece na maioria dos casos, exatamente porque faltam às organizações uma cultura de comunicação e uma educação básica, daquelas que a gente aprende no berço.

Podemos dar vários exemplos, mas limitemo-nos a um caso: o de um supermercado de bandeira francesa. Se você tiver algum problema com ele (e existe muito gente com problemas, como poderá perceber se colocar no Google como palavra-chave "Carrefour problema") e resolver acessá-lo pela web, terá uma enorme decepção.

Embora seja obrigado (experimente no hotsite dos Cartões Carrefour) a preencher nome, CPF, endereço, número do cartão, e-mail, fone etc no formulário de atendimento, a resposta, quando retorna (nem sempre isso acontece), vem com este perfil ridículo, desatualizado, dinossáurico do "prezado (a) cliente". Ou seja, o serviço de atendimento finge ignorar a identidade da pessoa que fez a reclamação: isso significa que os clientes do Carrefour, para ele, não têm nome e sobrenome.

Mas tem mais ainda: se resolver buscar outra alternativa de contato, por exemplo os e-mails da área de imprensa (tem lá o e-mail da Juliana - que parece ser do supermercado mesmo - ou da Regiane ou Neila de uma agência terceirizada) , mesmo sendo jornalista, não encontrará eco porque, invariavelmente, ou encontrará um silêncio absoluto ou os e-mails retornarão como se estivessem errados. A imprensa do supermercado na Web não existe, é uma mera ficção, embora o Portal esteja repleto de releases com auto-elogios. Dá para perceber por lá o que o supermercado entende como relacionamento com a imprensa.

Conclusão: empresas com este mesmo perfil ultrapassado não quer se relacionar com ninguém. Aliás, fica claro quando se entra no site do supermercado: eles querem apenas vender, querem falar, não sabem e não desejam ouvir ninguém.

Pena que o caso do Carrefour não seja único, embora emblemático em se tratando de uma organização com um número formidável de reclamações (e vamos imaginar que nem todas vão para o Google!). Já era hora de arrumar a casa, mas existem vários motivos para que uma empresa, de prestígio ou não, assuma este nível intolerável de relacionamento com os clientes.

Em primeiro lugar, como já mencionamos, uma empresa que precariza o relacionamento evidencia que não tem uma cultura de comunicação, ou seja, não assume a comunicação como um processo, não está nem um pouco interessada em relacionamentos legítimos e duradouros com seus "stakeholders" (públicos de interesse). Muito pelo contrário, confunde comunicação com esforço de venda e reduz as ações de comunicação a campanhas publicitárias. Empresas como o grande supermercado (e muitas outras, ele é apenas um dos casos) costumam ter uma boca enorme para falar e um ouvido nanotecnológico para ouvir.

Quase sempre, por causa disso, essas empresas colocam na linha de frente, para o serviço de atendimento, pessoas completamente despreparadas, mal educadas mesmo, e que acham que cliente só atrapalha. Não sabem dar informações, não estão dispostas a procurar soluções e assumem, de imediato, que o cliente está sempre errado. As chefias? Bom, as chefias escondem-se o tempo todo, como se nada fossem com elas. Mandam dizer que não estão, que hoje é dia de folga, que já foram embora e nunca botam a cara para apanhar.

Empresas com este perfil matriculam a comunicação no departamento jurídico porque acreditam que comunicar é um risco enorme. Quase sempre estão às voltas com processos e acreditam que, pelo seu poder econômico, poderão esmagar os descontentes (funcionários ou clientes) nos tribunais. A gente sabe que isso nem sempre dá certo e é fácil recuperar o caso recente do Carrefour no Brasil, quando um ex-presidente acabou ganhando um processo de milhões de reais contra a companhia. Ás vezes, como se diz, o inimigo está dentro de casa e é poderoso sobretudo quando está no topo da cadeia produtiva (supermercados entendem bem essa linguagem).

Em segundo lugar, o baixo nível de atendimento tem a ver com o processo de gestão, com a cultura organizacional. As empresas que agem desta forma com certeza praticam uma gestão autoritária, bastante hierarquizada, do tipo "quem pode, manda e obedece quem tem juízo". Não promovem o diálogo, repudiam a diversidade e o debate de idéias e opiniões. Em geral, assumem que podem resolver tudo com autoridade (autoritarismo é o termo melhor), particularmente algumas corporações internacionais que julgam clientes do Terceiro Mundo como se fossem de segunda linha.

Mas ( ainda bem) as organizações que mantêm serviços de atendimento do tipo "prezado (a) cliente" acabam um dia quebrando a cara. Sua imagem e reputação, apesar das campanhas publicitárias milionárias e das tentativas de aproximação com entidades e institutos de prestígio para "aparecerem bem na fita", acabam sendo penalizadas. Elas acumulam um passivo ético que, um determinado dia, jogará contra o seu patrimônio. Por exemplo, o número de mensagens desabonadoras irá crescer no Google, onde o poder econômico e a truculência não prevalecem e todo mundo irá poder recuperar o seu investimento pífio em relacionamento.

As organizações do tipo "prezado (a) cliente" estão deslocadas neste mundo que prega a responsabilidade social (o discurso delas incorpora este conceito, mas elas não sabem ao menos do que estão falando), o respeito ao cliente, a profissionalização das estruturas de comunicação (não estamos falando de agência de propaganda ou assessoria de imprensa apenas). A rádio Peão (agora sintonizada na Web) acaba revelando as suas mazelas, a sua falta de educação, a perspectiva equivocada que tem do cliente e mesmo dos jornalistas (que não recebem mensagens de retorno). Gostam mesmo de jornalistas puxa-sacos e vai ver até que mandam ovos de Páscoa para os que costumam favorecer a casa. Pelo menos é diferente porque há empresas que passam o tempo todo distribuindo pendrives em coletivas (algumas montadoras, por exemplo) porque alguma assessoria cochichou no ouvido delas que jornalista adora pendrive. Jornalista sério gosta mesmo é de transparência e profissionalismo. Mas elas devem ter razão porque no Salão do Automóvel acaba se formando uma fila imensa de coleguinhas, minutos e minutos de espera, para pegar o seu brinde digital.

Com certeza, muitas destas organizações têm para exibir selinhos de certificação, presença em ranking das melhores empresas para trabalhar (você acredita nisso?), ou dos melhores SACs e até diplomas de entidades de Comunicação Empresarial, de Vendas/Marketing e coisas deste tipo, que proliferam neste País como caramujo negro e outras espécies invasoras.

Resta ao cliente (que não participa da montagem destes rankings fajutos ou dos júris que contemplam empresas em troca de anúncios e favores) fazer o julgamento final.

E aí as empresas do "prezado (a) cliente" podem ficar em maus lençóis. Tudo leva algum tempo porque nem sempre as máscaras caem imediatamente, mas um dia o acerto de contas chegará. Assim como ex-presidentes movem (e ganham) ações milionárias, os clientes um dia apresentarão também a fatura.

Está na hora de mudar o modelo, de praticar efetivamente o discurso, de alinhá-lo com a realidade.

A gente sempre espera que as organizações alterem suas posturas e, no mínimo, comecem a ficar educadas, respeitosas. Quem sabe anos comemorativos, como o ano Brasil x França em 2009, inspirem algumas organizações a reformularem o seu serviço de atendimento.

Vai ver que, como há uma campanha contra imigrantes em países europeus provocada pelo aumento do desemprego por lá (e nada temos a ver com isso), as filiais de empresas internacionais já começaram a perseguir, destratar os que não são desta nacionalidade, em sua própria terra natal. Convenhamos, não dá para aceitar. A gente sempre tratou bem os europeus, os franceses em particular para só citar os colegas desta nação amiga. Apesar de terem tentado invadir o País na marra há alguns séculos, nunca deixamos de respeitar a sua cultura, a sua culinária, o seu passado. Somos um país cordial e esperamos que empresas estrangeiras nos paguem na mesma moeda. Repudiamos a xenofobia. Somos um país mestiço e desejamos continuar assim.

Mas a gente dá o desconto. Vai ver que o presidente de supermercado, mesmo sendo uma pessoa que parece simpática na imprensa, nem sabe o que está acontecendo por lá, e confia nas suas chefias, no seu serviço de atendimento. Mas isso não é bom. Diz o ditado: quando o comandante desconhece o que está se passando no navio, pode ser acusado de não ter feito o suficiente para evitar o naufrágio.

Mas apostemos em mudanças de cultura, mesmo porque o futuro não dará chances para empresas tipo "prezado (a) cliente".

Em tempo: reclame, grite, quando uma empresa tratar você como prezado (a) cliente. Funciona. Depois que passei um pito no Carrefour, exigindo respeito, eles começaram a me chamar pelo nome. Era só mesmo uma questão de má educação, de falta de treinamento. Ensinando, essas empresas acabam aprendendo. Vamos ajudá-los a entrar na modernidade?


Fonte: Por Wilson da Costa Bueno, in portalimprensa.uol.com.br

Comentários

Mauro Segura disse…
Fabio. Muito bom seu post. Você tem razão em tudo. Eu tenho uma experiência pessoal com a toda poderosa Amex, que normalmente é citada como um exemplo positivo no relacionamento com seus clientes. Eu sou cliente da Amex há 15 anos. Nunca atrasei o pagamento de uma conta e nunca paguei parcelado. Eu venho recebendo, mensalmente, nos últimos 3 anos, uma carta da Amex me oferecendo o pagamento parcelado (o tal playflex). Esta carta é enviada separadamente da minha fatura do mês. Acho incrível o dinheiro que esses caras jogam fora enviando esse tipo de correspondência para um sujeito que nunca pagou parcelado e nunca atrasou um pagamento. Eu não sou cliente alvo para esse tipo de opção. Mas o mais chato disso tudo é a "encheção" de saco. Todo mês eu recebo essa carta e jogo no lixo, e não uma cartinha vagabunda não...
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