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Afinal, quanto vale a boa imagem?

Afinal, quanto vale a boa imagem? Como ela nos pode ser útil? Pra quê serve? Boas perguntas, cara, boas perguntas. Vou tentar respondê-las através de duas narrativas: uma é estória; a outra, história. A primeira, bem prosaica, criada por este locutor que vos fala. A segunda, extraída da vida real, me trazida à lembrança ao ver o filme “Frost/Nixon”.

A estória. José e João são porteiros de um prédio de apartamentos. Embora não sejam parentes, são muito parecidos fisicamente. Mesma altura, corpo, corte de cabelo, feições. Mas as semelhanças terminam aí. José é extrovertido, bem-humorado, prestativo com os moradores, afetuoso com as crianças do prédio, paciente com os idosos. Todo mundo gosta do José. João é o oposto: carrancudo, não cumprimenta as pessoas, não faz nada além do que considera ser a sua obrigação. Ninguém gosta do João. José tem uma família conhecida, mulher, filhos. A vida particular de João é um mistério.

Aí, acontece um crime nas redondezas do prédio. Uma adolescente é estuprada. O retrato falado construído pela polícia a partir das informações da vítima faz de José e João os principais suspeitos. Um policial vai ao prédio ouvir moradores em busca de pistas. Resumo do que ouve sobre José: “José? Não tem o menor cabimento suspeitarem dele. Homem bom, educado, gentil, bom pai... Boto minha mão no fogo por José”. Sobre João: “Huum... Sei não. O cara é muito esquisito... Quer saber a minha opinião? Não, não, cala-te boca!”.

Agora, a história. Clinton e Nixon foram presidentes dos Estados Unidos. Clinton era a simpatia em pessoa. Gostava de falar com jornalistas. Ouvia as pessoas, tocava sax em público. Quando viajava para o exterior, procurava conhecer a cultura dos países visitados. Por exemplo, quando veio ao Brasil, bateu bola com Pelé numa favela. Jamelão – que sabia tudo da vida -, sobre essa visita, disse que Clinton “se sentia como pinto no lixo”. Até os antiamericanistas de carteirinha gostaram do homem. Nixon era o oposto. Arrogante, detestava falar com jornalistas, jamais fez questão de ser simpático em suas viagens. [Neste site, na seção “Imagem e suas leituras”, no texto “O jeito Nixon de fazer RP”, há uma demonstração de como ele se relacionava com o público. Veja também, na mesma seção, Clinton em “Levando RP a sério”. E compare os dois, Clinton e Nixon. Chocante, cara, chocante!]

Ainda, história. No decorrer de seus mandatos, ambos pisaram feio na bola. Nixon se enrolou no famoso Caso Watergate. Acobertou uma operação ilegal feita por seus correligionários e se fez de mané. Disse que não sabia de nada. Dentro da Casa Branca, Clinton teve relações sexuais com a estagiária Monica Lewinsky e, de público, na maior cara de pau, declarou que nunca tinha feito sexo com a funcionária. “I did not have sex with Monica Lewinsky” – jurou sobre a Bíblia. Em suma, ambos mentiram deslavadamente. Por conta das trapalhadas, processos de impeachment foram iniciados contra eles. João, digo, Nixon, tendo a opinião pública pedindo a sua cabeça, para evitar a humilhação do impeachment - cuja aprovação era dada como favas contadas -, antes que o Congresso o aprovasse, renunciou. Melancolicamente, pediu o boné. José, isto é, Clinton, ainda nadando de braçada nas pesquisas de opinião, teve o pedido de impeachment rejeitado pelo congresso. E continuou no cargo até o fim do mandato, embora Hillary o obrigasse a dormir na sala por um bom tempo.

Voltando à estória. Se José for o estuprador e negar a autoria do crime, contará com o apoio de muita gente. Seu passado, sua reputação, sua imagem perante a comunidade vão segurar a sua barra. Noutras palavras, protegê-lo. In dubio, pro reo, a máxima latina há de prevalecer. Já João, coitado, seu passado desconhecido, sua reputação, sua imagem funcionarão contra ele. Ainda que seja inocente, seu advogado vai precisar de muito latim para livrá-lo da cadeia.

João e Nixon foram vítimas de sua imagem pessoal. Como porteiro, quanto às suas atribuições básicas, ninguém tinha nada a reclamar de João. Era pontual, responsável, competente. Mas... sei não... Como administrador, Nixon era competentíssimo. Fez um excelente governo. Entre muitas outras coisas, tirou os Estados Unidos da Guerra do Vietnã; abriu relações com a China Comunista, coisa impensável no início dos anos 70. Por suas realizações, caminhava para figurar como um dos grandes estadistas do século. Mesmo assim, a opinião pública não tolerou a sua mentira. Obrigou-o a sair do governo com o rabo entre as pernas. Nixon teve um fim de vida melancólico, abandonado até pelos amigos. Seu enterro foi o de um cachorro vira-lata.

O filme de Ron Howard, “Frost/Nixon”, baseado na peça e no roteiro do inglês Peter Morgan [o mesmo de “A Rainha”], exibe a personalidade de Nixon. Frank Langella, o ator que o representa, constrói um Nixon que esteve no imaginário popular: arrogante, convencido, escorregadio, rei eternamente na barriga. Mesmo derrotado, o homem não perdeu a pose.

Muitas empresas são como João ou Nixon. Não se relacionam bem com os públicos dos quais a realização de seus negócios depende: consumidores/clientes, funcionários, fornecedores, investidores, governos, mídia, opinião pública, etc. Muitas delas, chegam a desprezá-los. Aí, quando o bicho pega, é um deus-nos-acuda. Perplexas, não entendem por que são apedrejadas em praça pública. Ao contrário, organizações que sacam a importância estratégica da imagem, e por conseqüência investem em comunicações, relacionam-se bem, procuram ser transparentes, etc, etc, em circunstâncias semelhantes, gozam de toda a tolerância do mundo.

Cara, se você entendeu que estou sugerindo a contratação de bons marqueteiros para construção de uma imagem que permita a sua empresa, por detrás dos panos, fazer suas bandalheiras e sair ilesa quando descoberta – assim como Clinton – me desculpe, mas você entendeu tudo errado. Não é nada disso. Cara, vai, apague tudo!

Mas compreendo por que você se atrapalhou. Na verdade, muita gente investe em imagem com esse propósito. Políticos, por exemplo, são useiros e vezeiros na prática do “parecer ser sem, de fato, ser”. Justo o contrário do que César exigia de sua mulher. “A mulher de César não basta ser honesta; tem que parecer honesta”, lembra? Políticos posam de bons pais, fingem que seus casamentos estão bombando, fazem bilu-bilu nas crianças que, desajeitamente, pegam no colo. Tudo propaganda enganosa. De verdade, não se relacionam bem com os filhos, a relação conjugal está caindo aos pedaços, de verdade preferem cachorro a crianças. A questão é que o político, quando desmascarado, pode perder a próxima eleição. [Infelizmente, no Brasil, nem sempre]. Mas, cara, sabe quem perde quando esse político perde a eleição? Ele e a corriola dele. O país ganha quando o pilantra não se reelege. Mas sabe quem perde quando uma empresa entra em crise, seja ela inocente ou não? Os funcionários, os fornecedores, os acionistas, o governo ao deixar de arrecadar impostos, enfim, a sociedade como um todo.

Combinemos assim: a empresa não pode aceitar a construção da imagem com a finalidade de enganar, de parecer o que não é, de ocultar cadáveres e esqueletos no armário.

A imagem – reputação ou outro nome que se dê às percepções que se formam na cabeça das pessoas - tem que refletir o que a empresa é na realidade, em sua essência. E essa essência tem que ser da melhor qualidade.

Muitas empresas – felizmente a maioria – em suas essências, têm essa qualidade. Ralam de sol a sol, correm tremendos riscos em seus negócios, enfrentam as oscilações do mercado, as concorrências e intervenções erráticas do governo na economia. Pagam montanhas de impostos (muitos deles, escorchantes), cumprem rigorosamente as leis (muitas delas, absurdas). Ainda assim geram inúmeros empregos e divisas para o país. Enfim, produzem riqueza. Em paralelo, têm preocupações sociais e ambientais, são éticas com consumidores, empregados, fornecedores, etc.

Entretanto, comportam-se como gatas borralheiras. Não sabem mostrar serviço, ou seja, são incompetentes na construção de uma reputação pública que as proteja das intempéries. Aí, basta uma acusação não-apurada, um retrato falado sem investigação, uma suspeição sem fundamento para serem jogadas na vala comum dos delinqüentes.

Ah, o filme "Frost/Nixon"?... Obrigado por me lembrar... Olha, cara, ex-ce-len-te! Se dependesse do meu voto, teria faturado o Oscar de melhor filme. Numa boa. E Frank Langella, também, teria saído da cerimônia com a estatueta de melhor ator debaixo do braço.


Fonte: Por Roberto de Castro Neves

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