Pular para o conteúdo principal

Imprensa, projetos de marketing e jabaculê

Afinal de contas, os veículos jornalísticos estão ficando ousados ou cínicos? E As fronteiras entre informação e propaganda/marketing estão sendo rompidas (ou corrompidas)? A transparência deixou definitivamente de ser um atributo do mercado profissional de jornalismo?

As perguntas fazem sentido, se a gente observar o assédio vigoroso e nefasto dos departamentos comerciais sobre as redações, criando uma zona nebulosa entre o que tradicionalmente se chamava de matéria paga e o que hoje, hipocritamente, se considera como "projetos de marketing".

Um exemplo contundente (mais um, na verdade, porque muitos veículos tem abusado dessa estratégia comercial suspeitíssima há um bom tempo) ocorreu neste último final de semana (14/09), quando o jornal O Globo perpetrou mais um de seus projetos de marketing, com um suplemento patrocinado pela Petrobrás, com o objetivo explícito de proclamar o seu compromisso com a nação e a sustentabilidade.

Há pouco tempo, isso era realmente chamado de matéria paga, de jabaculê (jabá para os íntimos) porque, no fundo, se trata efetivamente de uma tentativa (parece que não deu totalmente certo, não foi?) de enganar leitores desavisados que imaginam estar lendo uma matéria jornalística, com o endosso de um veículo de prestígio, quando na prática estão diante de uma imensa e cara (dá para imaginar o custo deste patrocínio no final de semana?) propaganda institucional.

Vamos ser francos: é preciso, de uma vez por todas, que a imprensa tome uma decisão corajosa e transparente: vai sobreviver em função da qualidade da informação jornalística ou pretende mesmo estender as suas mãos para empresas e governos ansiosos por limparem as suas imagens? Vai continuar separando jornalismo de propaganda ou pretende finalmente assumir que o que interessa é ganhar dinheiro mesmo à custa da transparência ou da dignidade?

Provavelmente, os jornalistas tradicionais, como eu, devemos estar mesmo vivendo num mundo que não existe mais, porque, pelo andar da carruagem, a imprensa já se transformou num formidável balcão de negócios, interessada em abrigar projetos de quem quer que seja para dizer o que bem entende.

Mas há perguntas que devem ser feitas. Por que a Petrobrás não aproveitou o espaço pago (cada um dos brasileiros acabou custeando esse suplemento, não é mesmo?) para explicar aos leitores de O Globo porque temos que engolir uma gasolina e um diesel tão sujos? Por que não explicou também o estardalhaço enorme (haja dinheiro gasto por nossa conta!) para falar, há pouco tempo, de uma autosuficiência alcançada e que nunca se realizou? Por que não explicou as razões porque temos sido lentos e incompetentes e, por isso, continuamos dependentes do gás da Bolívia? Vamos ter que sentar no colo do Evo Morales?

O jornalismo brasileiro anda trocando, infelizmente, seus valores, sua transparência pela remuneração polpuda de empresas, públicas e privadas, e, desta forma, não pode se queixar das tiragens dos veículos que nem ao menos acompanham o ritmo do crescimento da população brasileira. Esta mesma imprensa deve aceitar calada o declínio da sua imagem junto aos leitores (vide pesquisa recente da CDN, aqui comentada anteriormente) porque tem sido ela mesmo culpada pela perda de seu prestígio ou credibilidade.

Será que os nossos jornalões continuam acreditando que os leitores não estão percebendo as suas contradições? Será que eles pensam que não torcemos o nariz quando lemos editoriais críticos sobre a indústria tabagista e depois a encontramos como patrocinadoras de seus cursos de formação de jornalistas? Será que a mídia julga que somos, todos nós, ingênuos ou desatentos? Será que ela não se deu conta de que as suas mazelas, suas inconsistências, seus acertos por debaixo dos lençóis, estão cada vez mais expostos?

Os projetos de marketing ou de mercado estão proliferando como pragas no jornalismo brasileiro e eles não contribuem em nada para ampliar ou melhorar o debate porque sobrevivem de informações comprometidas, "pau mandado" como diz o caboclo. Estamos precisando de informação qualificada, independente e não de propagandas disfarçadas de matérias jornalísticas, com o intuito de ludibriar a audiência.

Se tem sido necessário substituir propaganda por matéria paga, talvez esteja na hora de o próprio mercado publicitário rever os seus conceitos, visto que empresas têm preferido alternativas à propaganda tradicional, cada vez mais percebida, por determinados públicos, como inócuas. Será que por isso as agências e anunciantes têm optado pela matéria paga, agora denominada "projetos de mercado ou de marketing"?

O jornalismo brasileiro só terá saída, se frear este processo de rendição. Nem fascículos, nem fotos coloridas de paisagens ou celebridades, nem promoções de toda ordem poderão salvar a imprensa brasileira, se ela continuar abrindo mão de qualificar a cobertura e permanecer mais interessada no bolso dos anunciantes do que na alma e cérebro de seus leitores.

A doença infelizmente pega. Pois não é que a USP, nossa tradicional universidade, a maior da América Latina, andou fazendo um contrato sem transparência com uma gigante do veneno e dos transgênicos , com cláusulas que prevêem inclusive o sigilo das informações levantadas? Pode isso numa universidade pública? O que está escondido que a gente não pode saber? O que algumas empresas, com um passivo ambiental e ético tão grandes (agroquímicas, laboratórios etc), andam querendo das nossas principais universidades e institutos de pesquisa? Que contrapartida andam exigindo? Será que o cerco está facilitado porque as universidades brasileiras andam sucateadas e correm o pires com facilidade? Será que os salários estão tão baixos que determinados pesquisadores precisam comer na mão de empresas monopolistas?

Um jornalismo investigativo entraria fundo nessa questão para descobrir se não há gente que anda jogando nos dois lados. Será que esse apoio era necessário, agrega alguma coisa para a USP ou apenas serve para uma empresa botar o dedão lá dentro e utilizar esta relação para limpar a sua imagem desgastada? Quem efetivamente estará lucrando com isso? Quem sugeriu ou encampou o projeto tem relações com a indústria de transgênicos? Talvez seja melhor estender a suspeita sobre os que transitam nas células-tronco porque, durante o debate e aprovação da Lei de Biossegurança, algumas pessoas desta área andaram de mãos dadas. Calma, não é denúncia, é dica, é hipótese. Uma boa pauta, talvez. Pode pelo menos investigar ou é para calar a boca e engolir a seco?

Todos nós sabemos que não existe almoço grátis. Sobretudo quando são alguns interesses que pagam a conta.

O jornalismo e outras instâncias da vida brasileira, ao que parece, estão contaminados. É melhor a gente abrir o olho. Projetos de marketing é a vovozinha do jornal O Globo. Na minha terra, é jabaculê mesmo. E educação pública não é espaço para investidas transgênicas. Preferimos a diversidade. Sempre.



Fonte: Por Wilson da Costa Bueno, in portalimprensa.uol.com.br

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

H2OH! - um produto desacreditado que virou sucesso

O executivo carioca Carlos Ricardo, diretor de marketing da divisão Elma Chips da Pepsico, a gigante americana do setor de alimentos e bebidas, é hoje visto como uma estrela em ascensão no mundo do marketing. Ele é o principal responsável pela criação e pelo lançamento de um produto que movimentou, de forma surpreendente, o mercado de bebidas em 11 países. A princípio, pouca gente fora da Pepsi e da Ambev, empresas responsáveis por sua produção, colocava fé na H2OH!, bebida que fica a meio caminho entre a água com sabor e o refrigerante diet. Mas em apenas um ano a H2OH! conquistou 25% do mercado brasileiro de bebidas sem açúcar, deixando para trás marcas tradicionais, como Coca-Cola Light e Guaraná Antarctica Diet. Além dos números de vendas, a H2OH! praticamente deu origem a uma nova categoria de produto, na qual tem concorrentes como a Aquarius Fresh, da Coca-Cola, e que já é maior do que segmentos consagrados, como os de leites com sabores, bebidas à base de soja, chás gelados e su

Doze passos para deixar de ser o “bode expiatório” na sua empresa

Você já viu alguma vez um colega de trabalho ser culpado, exposto ou demitido por erros que não foi ele que cometeu, e sim seu chefe ou outro colega? Quais foram os efeitos neste indivíduo e nos seus colegas? Como isso foi absorvido por eles? No meu trabalho como coach, tenho encontrado mais e mais casos de “bodes expiatórios corporativos”, que a Scapegoat Society, uma ONG britânica cujo objetivo é aumentar a consciência sobre esta questão no ambiente de trabalho, define como uma rotina social hostil ou calúnia psicológica, através da qual as pessoas passam a culpa ou responsabilidade adiante, para um alvo ou grupo. Os efeitos são extremamente danosos, com conseqüências de longo-prazo para a vítima. Recentemente, dei orientação executiva a um gerente sênior que nunca mais se recuperou por ter sido um dia bode expiatório. John, 39 anos, trabalhou para uma empresa quando tinha algo em torno de 20 anos de idade e tudo ia bem até que ele foi usado como bode expiatório por um novo chefe. De

Conselho Federal de Marketing?

A falta de regulamentação da profissão de marketing está gerando um verdadeiro furdunço na Bahia. O consultor de marketing André Saback diz estar sendo perseguido por membros do Conselho Regional de Administração da Bahia (CRA/BA) por liderar uma associação – com nome de Conselho Federal de Marketing e que ainda não está registrada – cujo objetivo, segundo ele, é regulamentar a profissão. O CRA responde dizendo que Saback está praticando estelionato e que as medidas tomadas visam a defender os profissionais de administração. Enquanto André Saback, formado em marketing pela FIB - Centro Universitário da Bahia -, diz militar pela regulamentação da profissão, o Presidente do CRA/BA, Roberto Ibrahim Uehbe, afirma que o profissional criou uma associação clandestina, está emitindo carteirinhas, cobrando taxas e que foi cobrado pelo Conselho Federal de Administração por medidas que passam até por processar Saback, que diz ter recebido dois telefonemas anônimos na última semana em tom de ameaç