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Chairman da Embraer conta como "mudou a música"

Em entrevista exclusiva a HSM Management, o chairman da Embraer, Maurício Botelho, ensina como se tira uma empresa da falência para transformá-la em uma das quatro líderes mundiais de seu setor de atividade. Ao contrário do que muitos empresários pensam não é preciso mudar as pessoas – os “músicos”, como ele ensina poeticamente.

A indústria aeronáutica é um negócio exigente. Requer elevado volume de capital na operação, força de trabalho muito qualificada, variadas tecnologias de última geração e tempo longo de maturação de projetos. Isso a torna uma indústria de risco particularmente alto, que tem derrubado competidores tradicionais pelo caminho, como a holandesa Fokker. O Brasil é o único país em desenvolvimento a ter uma fabricante de aviões entre as quatro maiores –a Embraer é a terceira, depois da Boeing e da Airbus e antes da Bombardier. Isso se deve a uma visão de longo prazo do governo brasileiro –cujo início remonta à década de 1940– e ao trabalho fundamental do executivo Maurício Botelho, o presidente-executivo (CEO) que resgatou uma Embraer praticamente quebrada em 1995 e a transformou em player global. Agora em março, a revista norte-americana Aviation Week & Space Technology formaliza o reconhecimento que o mundo tem do trabalho de Botelho no mercado aeronáutico mundial: ele recebe em Washington um dos mais aclamados prêmios do setor, por seu lifetime achievement nesse negócio –ou seja, por todas as suas realizações. O vice-presidente de desenvolvimento tecnológico, Satoshi Yokota, está também entre os finalistas para a premiação, na área de engenharia de propulsão. Em abril de 2007, Botelho passou o bastão executivo a Frederico Curado, sucessor que preparou, e manteve-se como presidente do conselho de administração (chairman), o que lhe possibilita continuar contribuindo na formulação da estratégia. Nesta inspirada entrevista a José Salibi Neto, chief-knowledge officer do Grupo HSM, ele conta que aprendeu na Amazônia a pôr as pessoas em primeiro lugar, explica o golpe de mestre da pulverização de capital, discorre sobre planejamento e resume a mudança da Embraer poeticamente: não mudaram as pessoas; mudou a música.

Em abril de 2007, você deixou a presidência executiva da Embraer, depois de 11 anos no posto. Quero começar nossa conversa com uma pergunta quase filosófica. O que essa experiência significou na sua vida?
Quando fui convidado a presidir a Embraer recém-privatizada, e destroçada, o que se apresentava para mim era coisa totalmente diferente de tudo que eu havia vivido antes.

Algumas pessoas até me falaram: “Você é doido! Vai largar a diretoria executiva da holding da Cia. Bozano [antiga Bozano, Simonsen] e assumir a presidência de uma empresa que está destroçada?”. Mas isso foi justamente o que me atraiu –o desafio imenso. Eu conseguia enxergar ali uma empresa de tecnologia diferenciada, desenvolvida no Brasil, de grande valor. O País tinha investido e acreditado muito nela. Aos 52 anos, percebi como seria bom terminar a carreira profissional sendo capaz de modificar e fazer reviver a Embraer. Eu tinha uma motivação pessoal ao assumir o cargo e também uma vontade de contribuir para o País.

E eu me sentia capacitado para isso, porque tinha trabalhado numa subsidiária da Cia. Bozano dedicada a projetos industriais, ou seja, projetos inseridos no contexto da tecnologia e de empreendimentos industriais, como era o caso da Embraer. Cuidávamos da fase do financiamento à escolha de quem construiria e montaria as plantas, passando pelo fornecimento dos equipamentos e pelo controle dos processos. Eu tinha atuado até na área de transporte, com controle de tráfego de trens e metrôs.

Você já teve outra experiência de tamanha ruptura quanto a da Embraer?
Antes do trabalho na Cia. Bozano, eu tinha sido engenheiro da Empresa Brasileira de Eng(EBE), uma empresa de montagem industrial, e essa atividade me deu algo incrível: permitiu que eu conhecesse o Brasil mais do que a média dos brasileiros. Eu, que nasci e morava em Ipanema, no Rio de Janeiro, fui passar seis anos na Amazônia como jovem engenheiro de 26 anos, trabalhando no projeto de montagem de uma planta industrial na ilha de Marajó. Foi um grande choque cultural, mas isso teve uma força enorme na minha formação; pude ver as realidades tão distintas do país, os nossos desafios como nação. Eu visitava as populações ribeirinhas e via que não tinham sentido de futuro. Que futuro podiam ter? Elas não tinham nada, não aspiravam a nada, absolutamente marginalizadas dentro do contexto socioeconômico do País. Isso, para mim, foi um chamado muito forte. Eu não conhecia o povo. Era um engenheiro formado por uma das melhores escolas do Brasil que vivia num bairro de classe média alta. Conhecer o povo, suas dificuldades, sua formação e as questões do seu valor intrínseco foi muito importante. Por causa disso, prolonguei minha estada na Amazônia: fui implantar mais duas usinas termoelétricas na área de Manaus.

Foi uma experiência formidável e uma fase muito feliz da minha vida. Eu era recém-casado, vivendo num mundo novo, sem filhos, e, naquele tempo, Manaus tinha toda uma aura de audácia, da aventura de desenvolver o que era absolutamente subdesenvolvido.

A vivência na Amazônia teve realmente um valor muito forte na minha formação. Por exemplo, lá na ilha de Marajó, trabalhávamos para implantar a fábrica numa clareira no meio da floresta, onde não existia nada. Lá implantou-se uma escola –com professores de Belém contratados. Foi uma emoção muito grande –e é até hoje, quando me lembro– ver aquelas crianças de 7 a 14 anos de idade remando em suas canoas para ir até lá, porque lá tinha escola. Isso mostra a força do que representa, para o indivíduo, a possibilidade de crescer. E esse talvez tenha sido um dos grandes fatos que se impregnaram em minha visão ao longo da vida. Ver que as pessoas buscam crescer. E que enxergam a educação como o caminho para isso. Mas, além da Amazônia, a minha formação em diferentes indústrias foi fundamental também.

As pessoas, na época, devem ter se questionado sobre quem seria melhor para presidir a Embraer: alguém com experiência em setores de atividade variados, como você, ou um especialista em aviação, não?
Exato! Na minha primeira entrevista coletiva, logo após minha posse como presidente da moribunda Embraer, uma jovem jornalista, uma dos únicos três que apareceram, olhou meu currículo e perguntou: “O sr. não acha que seria melhor para a empresa se o sr. entendesse alguma coisa de aviação?” [risos]. Eu falei: “A sra. tem razão. Eu sei algumas coisinhas que podem ajudar, mas talvez fosse bom também que eu conhecesse aviação”. Mas o fato era que eu estava bastante capacitado para enfrentar o desafio tecnológico de tornar aquela empresa viva novamente, além de ter uma visão da possibilidade de contribuição diferenciada ao País. As atividades diversificadas nos enriquecem muito: eu participei, pela EBE, da montagem da primeira usina nuclear do Brasil, em consórcio com a White Westinghouse: a usina de Angra I. Montamos novos sistemas, uma nova cultura de engenharia e talvez os primeiros manuais de garantia de qualidade desenvolvidos no País. Era uma nova cultura, muito mais sofisticada, com métodos e processos bem mais complexos do que aqueles que até então se praticavam. Tudo isso com uma característica especial: sempre trabalhando por encomenda.

O que significa que...
... que sempre trabalhávamos com a visão do cliente, ou seja, sabendo que o cliente existia, que era uma pessoa –ou um grupo–, que tinha demandas e requisitos específicos.

Virada
Imagino que você tenha encontrado pessoas altamente desmotivadas na Embraer...
A desmotivação era imensa mesmo, era um processo de quebra de confiança. Um dos fatores desmotivadores era a estrutura hierarquizada, quase militar, e a comunicação era vertical. Tudo estava contra. Lembro que, logo que cheguei, um gerente me falou, no corredor, sobre um assunto a respeito do qual eu não sabia. Eu disse: “Vamos conversar na minha sala”. Ele se espantou, porque essa possibilidade não existia. Como o presidente da empresa chamaria um gerente para discutir um assunto que não estava em pauta, sem programação, sem nada, sem uma reunião marcada, estruturada? Havia um processo terrível de deterioração nos quatro ou cinco anos anteriores –um processo no qual havia total desconfiança dos empregados em relação à administração; um sindicato que tinha aguerridamente se oposto à privatização. A situação econômica e financeira era caótica; a situação comercial, idem; a empresa estava sem crédito. Em dezembro de 1994, ela tinha alcançado uma receita da ordem de US$ 270 milhões e um prejuízo de US$ 330 milhões, com um endividamento acima de US$ 400 milhões.

Pior ainda, a empresa tinha 6,4 mil funcionários dos 13 mil que existiam cinco anos antes e continuava precisando reduzir o quadro de pessoal drasticamente –tanto que chegamos a abril de 1997 com 3,2 mil pessoas. Como você pode falar em futuro quando se está dentro de um quadro terrível desses?

Deixe que eu faço essa pergunta: como?
Em primeiro lugar, estabeleci a política da verdade e da transparência. Durante as visitas que fiz a todas nossas instalações, no meu primeiro mês na Embraer, passei a todos os empregados a mesma mensagem: “Aconteça o que acontecer, para o bem ou para o mal, há um responsável: eu. O processo que vou implantar é um processo baseado na verdade, em uma comunicação aberta, livre, espontânea, verdadeira”.

Deixei claro para todos que não haveria “armação”, mas verdade. Se ela fosse boa, ótimo. Se fosse ruim, também saberiam a verdade e nós trabalharíamos essas questões.

Depois, foquei cinco pontos para dar uma levantada rápida na empresa e, assim, levantar o moral geral. Eram cinco prioridades. Primeira: trazer contratos para dentro de casa.

Segunda: adequar custos à realidade da receita. Terceira: reestruturar a empresa financeiramente. Quarta: reconstruir a relação dos empregados com a administração. Quinta: dedicar cada centavo de que pudéssemos dispor para o desenvolvimento do jato regional, o ERJ 145, que eu denominava Projeto Redenção. Todos os pontos foram fundamentais, mas quero ressaltar o primeiro, que mudou radicalmente a visão da Embraer: produzir não para um mercado estatístico, e sim para um mercado representado por pessoas. Eu dizia aos meus companheiros: quem tem cem clientes pelo mundo tem de conhecê-los pelo nome, sobrenome e apelido, tem de conhecer como opera sua companhia, onde estão os pontos fortes e fracos de cada um. Os outros quatro pontos não adiantariam nada se não tivéssemos clientes. Esses cinco pontos tinham de ser eficazes, não havia uma segunda chance. Então, naturalmente se instalou um senso de prioridade na empresa que foi bem importante. Prioridade é uma coisa muito séria. Quando você fala que algo “é prioritário”, significa que as pessoas vão abdicar de uma coisa que estão fazendo em prol de outra que um terceiro precisa fazer. Isso é duro, mas assim foi feito na Embraer.

Queria detalhar um pouco algumas medidas, se você me permite. Trata- se de um plano de urgência que pode servir para qualquer empresa, na verdade. Comecemos pelos contratos: como você fez para transformar a cultura da empresa em pró-cliente e ganhar os contratos? E em quanto tempo?
Assim como fiz visitas às nossas instalações, imediatamente fui visitar também nossos clientes, mostrando nossa nova face. Nos três primeiros meses eu visitei o mundo, correndo aos nossos então clientes, ou clientes prospectivos, mostrando a eles como estava a empresa e que ela ficaria diferente, que estávamos buscando os caminhos. Um cliente na França disse: “Você é o quinto senhor aqui nos últimos três anos. Como posso aceitar o que está me falando?”. Eu respondi: “Você tem de aceitar o que estou dizendo, porque eu estou lhe dizendo e eu vou fazer acontecer o que estou lhe dizendo” [risos]. Esse era o grau de desconfiança que o mercado tinha da empresa. Num produto sofisticado e complexo como é o avião –Brasílias, Bandeirantes, uma frota considerável–, o fator determinante é o serviço. Como você assegura ao seu cliente confiança, a não ser que você faça o produto dele funcionar e lhe entregue o que ele busca, isto é, receita, a capacidade de ele gerar receita? Ou, se for um avião militar, a disponibilidade?

Nós tínhamos fracassado nessa entrega. No período de deterioração, a empresa havia perdido muitos pontos nessa capacidade de servir o seu cliente. Então, o foco da visão do cliente, de buscar o cliente, estar junto do cliente, conhecêlo, percebê-lo e vivenciá-lo existiu desde o início e foi sendo transformado. A empresa era o que chamam de “engineering minded”; a engenharia era tudo e o engenheiro, um semideus.

É claro que a engenharia está na base da competitividade e do sucesso da empresa, mas é meio. O objetivo é satisfazer o seu cliente e ter um produto de qualidade que possa diferenciá-lo em relação à concorrência. Esta foi talvez a maior transformação da empresa: sair de uma cultura focada em engenharia para ser focada no cliente –e não é focada no mercado; é focada no cliente.

Quero que você explique qual é a diferença entre as duas coisas para nossos leitores...
Focar no cliente implica identificar cada cliente individualmente, com uma personalidade exclusiva. Implica entendê-lo e desenvolver uma relação baseada nesse entendimento.

E a segunda medida, da adequação dos custos à receita?
Essa foi dura. Reduzimos o contingente de 6,4 mil para 3,2 mil pessoas, fizemos coisas de maneira diferente, racionalizamos processos, terceirizamos serviços como limpeza e vigilância. Deixe eu dar um exemplo interessante: tínhamos ali cinco restaurantes, distribuídos por categorias: o dos funcionários, o dos supervisores, o do pessoal de administração, o dos gerentes, o dos diretores. Você vê? Tudo para afastar as pessoas, quando era preciso juntar. Hoje só tem um; você senta onde puder sentar.

Houve um ponto, nesse aspecto, que foi o turning point [ponto de virada]. A privatização e a assunção pelos acionistas tinham acontecido em janeiro de 1995 e eu entrei em setembro de 1995. Havia um dispositivo que proibia os novos controladores de efetuar qualquer mudança estrutural nos primeiros seis meses –apelidada de “lei do perde-perde”.

O contrário do ganha-ganha [risos]. Por que esse apelido?
Perdeu o empregado, porque a ansiedade e a angústia se estenderam por seis meses. Perdeu a empresa, que teve de gastar US$ 50 milhões a mais do que o necessário. Perdeu o acionista, que teve adiado o retorno sobre o seu investimento. Então, o que deveria acontecer logo no primeiro momento aconteceu só nos primeiros dias do mês de julho: uma grande demissão de pessoas. Assim, em setembro, quando tomei posse, nós já tínhamos reduzido o quadro em quase 2 mil pessoas. Ao fazermos o primeiro plano estratégico da empresa –dentro de um processo que eu implantei de planejamento empresarial qüinqüenal–, ficou claro que tínhamos de demitir, ainda, mais de mil pessoas. Esse plano foi aprovado em dezembro, em reunião do conselho de administração, e fiquei com o seguinte problema: como falar em motivação quando já tivemos de demitir 2 mil pessoas e ainda temos de demitir mais 1,2 mil ou coisa assim? Decidi, então, chamar o sindicato para conversar.

O sindicato?!?! Foi ousado...
Coloquei a diretoria do sindicato em um círculo –eu como parte. Disse: “Quero conversar com vocês sem nenhuma reserva. Mas, se nossa concorrência tiver acesso ao que eu vou falar, estaremos liquidados. De modo que eu só vou falar se vocês se comprometerem comigo em relação à confidencialidade e ao segredo sobre o que for comentado. Mas eu não quero papel”. Todos se comprometeram com o segredo e eu abri os livros da Embraer, num quadro absolutamente terrível.

Também mostrei o que as empresas que sobreviveram a situações semelhantes tinham feito e o que as que morreram deixaram de fazer. E também falei o que eu pensava que nós precisávamos fazer: demitir 1,2 mil pessoas e mais um caminhão de maldades horríveis.

Havia uma alternativa: demitir 450 pessoas e reduzir salários em torno de 10% e as horas extras, que eram pagas à taxa de 100% na época de estatal. Precisávamos também criar um banco de horas, porque, se não tínhamos produção no momento, teríamos mais à frente. O presidente do sindicato me pediu para chamar um consultor, eu concordei, dependendo de quem fosse, e ele sugeriu Amir Khair, que foi secretário de finanças da prefeita Luiza Erundina, em São Paulo, que é um homem digno, correto.

Por um mês, o Khair estudou bem a questão – e avaliou que estávamos certos. Então, decidiram convocar uma assembléia. Foi quando o presidente do sindicato me disse:

“Eu não posso apresentar essa proposta sem que você aceite o mesmo ônus que está impondo a nós.” Eu nem o deixei acabar a frase. Disse: “Está fechado...”. Eu perderia remuneração nas mesmas bases. Os diretores, os gerentes e os conselheiros fecharam comigo. Acho que o turning point ocorreu quando não o deixei acabar essa frase... Foi uma virada de credibilidade.

Suas atitudes não são, com todo o respeito, atitudes de engenheiro.
Se fosse escolher um atributo seu que contribuiu para esse turnaround na empresa, qual seria?

Minha experiência na Amazônia. A partir dali desenvolvi uma visão muito centrada nas pessoas. O cerne da questão são as pessoas.

Qual o perfil das pessoas que devem ser escolhidas para a equipe que vai lidar com uma situação adversa?
Eu acho que não podia ingressar sozinho num ambiente como aquele, totalmente desconhecido para mim. Decidi levar três pessoas do meu conhecimento: uma de finanças, uma de relações estratégicas e uma de desenvolvimento organizacional.

Nós havíamos vivido e partilhado as mesmas tecnologias de planejamento estratégico inspiradas na TEO, a Tecnologia Empresarial Odebrecht, um instrumento de administração por objetivos que pudemos expandir. De resto, usei a força das equipes existentes, que eu conhecia porque, entre fevereiro e setembro de 1995, acompanhei o que acontecia na Embraer representando a Cia. Bozano, Simonsen, uma das controladoras.

Mesmo com essa visão de engenharia acima de tudo...
Essa é uma questão de orientação. Bastou mudar a orientação técnica para a empresarial.

As pessoas aprendem e mudam, é preciso que nos lembremos disso. Detalhe a TEO, por favor.
Esse processo de planejamento é centrado nas pessoas, uma delegação planejada de cada iniciativa, com diálogo. Veja só: o primeiro plano estratégico definia, para cinco anos à frente, uma receita anual de vendas de US$ 1 bilhão –um sonho para nós, que estávamos vindo de US$ 200 milhões e pouco; em 1995, chegamos a US$ 300 milhões. Cinco anos mais tarde, alcançamos os US$ 2,4 bilhões, mais que o dobro. Isso se deve muito à TEO, voltada para o crescimento a partir do indivíduo. O núcleo dos funcionários da Embraer continuou o mesmo, o que mudou foi a música que tocavam.

Desafio da sucessão
Definir o sucessor no comando de uma empresa é difícil, não faltam exemplos malsucedidos em companhias brasileiras. Como você elegeu o novo CEO?
É preciso entender a relevância de uma sucessão: se for bem-feita, leva a empresa à continuidade; se for malfeita, pode destruí-la. Eu penso assim. Por isso, para mim, a sucessão não ocorre pontualmente; ela deve ser trabalhada ao longo de anos, internamente, ainda mais no Brasil, onde não há muita oferta de profissionais para nossa área, e num setor de competição tão violenta!

Como você preparou o Curado?
Na minha primeira reunião de diretoria, eu já disse que nossa capacidade de crescer estaria vinculada à capacidade de termos pessoas em condições de assumir o desafio do negócio. Então, fizemos um bom papel na formação de pessoas. E como se deu isso? Primeiro, analisando-as como indivíduos –suas forças e fraquezas– e, depois, com o processo de delegação planejada, para que desenvolvessem seu potencial.

Nesse ponto, Frederico se destacou pelo brilhantismo e pela experiência –já tinha passado em várias áreas da empresa. Quando eu entrei, ele era diretor-comercial e eu o coloquei como vice-presidente de planejamento estratégico, planejamento e desenvolvimento organizacional, trazendo-o para o meu lado, para que ele passasse a viver todas as ações do turnaround. Depois eu soube que ele quase morreu de frustração por eu tirá-lo da linha de frente para trabalhar numa área interna. Mas ele passou a ver empresarialmente as questões e a desenvolver-se. Passados quatro anos, voltou à linha de frente, num trabalho formidável. E hoje está pronto para essa concorrência feroz do setor –tão feroz que hoje temos quatro fabricantes de nível mundial e há 20 anos eram 15. E estão surgindo os russos, os chineses, os japoneses, com planos para a categoria de aviões de 70 a 90 lugares.

E como você analisa a sucessão em outras empresas brasileiras?
É muito comum achar que no momento adequado vai aparecer alguém. E alguns executivos são vistos como commodities.

A recente pulverização do capital da Embraer deixou muita gente preocupada, acreditando que a empresa pode acabar em mãos estrangeiras. O que os levou a isso?
A pulverização foi o que aconteceu de mais importante com a Embraer depois da privatização.

Tínhamos um grande problema: eu não podia mais chamar capital. A estrutura societária era tal que tinha 34% de ações ordinárias, 66% de preferenciais, sem mais espaço para emitir só as preferenciais, porque a lei das S.As. estabelece a proporção mínima de um terço de ordinárias por dois terços de preferenciais. Eu também não podia mais chamar capital ordinário, porque, dentro do grupo de três controladores, havia dois fundos de pensão, Previ e Sistel, com regras que limitavam seu investimento ao máximo de 20% de participação em qualquer empresa e a 5% de seu patrimônio líquido –e esses dois fundos já tinham atingido seu limite. E não seria possível que só a Cia. Bozano subscrevesse o aumento de capital, porque isso alteraria o equilíbrio entre os três controladores. Nos últimos dez ou 12 anos, investimos na empresa quase US$ 2,5 bilhões. Olhando para frente em cinco anos, achávamos que íamos investir isso ou mais, e não daria para lastrear tanto dinheiro só com dívida e geração de caixa próprio.

Havia também um segundo problema. O acordo de acionistas venceria em julho de 2007. Se não fosse renovado, corríamos o risco de virem acionistas controladores com outro perfil que mudassem o foco da gestão. Então, a dispersão de capital neutralizou essas duas ameaças. E podemos atrair novo capital para crescer.

Mas vocês protegeram a empresa contra o controle e o takeover?
No caso do controle, o poder de voto é limitado a 5% do capital total; o poder econômico segue proporcional às ações, mas o poder de voto se limita a 5%, assegurando a dispersão do capital. No caso do takeover, qualquer acionista que alcance participação de 30% no capital tem de fazer uma oferta pública de ações e, para fazê-lo, precisa de autorização da golden share, da União. Esta autorizando, ainda deve ser obedecida a condição de avaliação da empresa no Estatuto Social, que, definindo o valor entre quatro critérios, impõe ainda um prêmio de 50%.

No caso do limite de voto estrangeiro, ele está fixado em dois terços dos votos válidos dos brasileiros presentes às assembléias. Esse dispositivo assegura o comando nacional de forma mais eficaz que a adotada antes da reestruturação. Antes, se o acionista brasileiro não comparecesse e o estrangeiro sim, este mandaria, mas tivemos acionistas controladores brasileiros responsáveis que sempre exerceram seu voto.

Para finalizar, peço um conselho seu aos empresários brasileiros...
Esqueçam a arrogância. É a coisa mais destrutiva que existe.


Fonte: Entrevista realizada por José Salibi Neto, CKO do Grupo HSM, in www.hsm.com.br

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