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O que as empresas podem fazer para inovar suas práticas de gestão?

Para o professor da London Business School, muitas inovações gerenciais não são percebidas como tal nas empresas onde são criadas. Isso porque elas são pontuais e diretamente relacionadas a uma necessidade específica daquela empresa. Sendo assim, não têm potencial para revolucionar o modo de trabalhar de todo um setor, mas podem abrir caminho para novas práticas e contribuir para mudanças mais significativas. O laboratório de inovação gerencial que ele fundou em conjunto com o americano Gary Hamel quer acelerar este processo e criar um movimento em prol das pequenas inovações.

Época NEGÓCIOS - Qual a essência da inovação em gestão?
Julian Birkinshaw - O conceito de inovação gerencial é bastante amplo. Então, é preciso quebrá-lo em categorias. A primeira reúne as iniciativas que transformaram radicalmente a maneira de trabalhar nos últimos 150 anos. O método de administração científica, resultante das experiências conduzidas por Taylor em 1910, a departamentalização das empresas nos anos 20 e 30, o movimento de qualidade da década de 50... todos são desse primeiro tipo. Escrevi um livro sobre 50 inovações desse tipo, o Giant Steps in Management (Financial Times / Prentice Hall, ainda não traduzido no Brasil). A segunda categoria é relativa a iniciativas de caráter incremental. Como, por exemplo, quando uma empresa cria um novo sistema de remuneração, ou reestrutura departamentos e projetos de uma maneira inédita. Há também inovações gerenciais nos sistemas de planejamento e em métodos de controle menos burocráticos. Em geral, esse segundo tipo de inovação, mais pontual e bastante atrelado ao momento específico por que passa uma determinada indústria, não chega a receber um nome.

EN - O senhor pode dar exemplos desse segundo tipo de inovação?
Birkinshaw - A Infosys, empresa indiana que desenvolve sistemas de informação, é um exemplo emblemático. No MLab, escrevemos um estudo de caso sobre eles em que catalogamos quase 30 pequenas inovações gerenciais, especialmente em práticas de recursos humanos. Há uma grande distância entre as idades da maioria dos funcionários e dos executivos do alto escalão. O conselho de administração sentia falta da visão dos mais jovens na hora de tomar decisões estratégicas e optou por trazer grupos de cinco funcionários de menos de 30 anos, de diferentes áreas, que se alternam a cada três reuniões. Eles não têm poder de voto, mas apresentam suas opiniões a respeito dos temas discutidos e contribuem para o desenho da pauta, sugerindo tópicos relevantes e tendências de mercado a que se deve estar atento. Juntas, essas iniciativas inovadoras pontuais garantem à Infosys uma vantagem competitiva nas práticas de recursos humanos. Isoladamente, elas podem ser consideradas pequenas demais para serem dignas de uma história na imprensa ou mesmo de um livro.

EN - É por esse motivo que as pequenas inovações são pouco divulgadas?
Birkinshaw - Em primeiro lugar, porque as inovações mais revolucionárias, que representam rupturas efetivas com o modo atual de trabalhar, são difundidas muito rapidamente por consultores e acadêmicos. Elas acabam se tornando grandes sucessos, viram livros e deixam pouco espaço para as outras. Mas há uma outra razão, até mais importante do que a primeira. O processo de inovação gerencial é muito pontual, muito específico da realidade de cada empresa, ad hoc mesmo. As pequenas inovações acontecem de maneira não-sistemática, quase que acidentalmente. É comum que elas ocorram a despeito do sistema, no lugar de serem uma conseqüência direta dele. Muitas vezes, os executivos que desenvolvem estas inovações - e a própria empresa onde trabalham - não as reconhecem como tal.

EN - Essas pequenas inovações são o principal alvo do MLab?
Birkinshaw - Sim. O MLab foi criado para tentar mostrar que a situação atual não pode ser a regra, que ela pode ser transformada. Nossa proposta é acelerar todo o processo de inovação gerencial, ajudando empresas a serem mais pró-ativas e mais sistemáticas a respeito de como criam novas formas de trabalhar, de como adaptam práticas antigas às necessidades atuais. Queremos desenvolver ferramentas de apoio em conjunto com algumas companhias, que possam ser adotadas por outras.

EN - E como o MLab desenvolve essas ferramentas de suporte à inovação?
Birkinshaw - Realizando experimentos, sempre em conjunto com empresas, em busca de soluções para grandes desafios de negócio. O princípio de tudo é justamente o de colocar os altos executivos de uma companhia para pensar sobre as inovações que já puseram em curso e sobre os obstáculos e restrições ao seu crescimento e sobrevivência. Identificado o problema, a equipe do MLab e os executivos da companhia passam a "desembrulhá-lo", buscando razões e saídas. A solução nunca é muito simples, mas nós acreditamos poder ajudar essas empresas a encontrar medidas criativas para contornar os desafios identificados e a implementar essas medidas, procedendo aos ajustes necessários. Por isso, procuramos por empresas que concordem em testar as soluções identificadas, além de discutir seus problemas. O caminho percorrido é posteriormente convertido em estudo de caso, de modo a auxiliar outras empresas com problemas semelhantes.

EN - O senhor pode nos dar exemplos de experimentos já realizados?
Birkinshaw - Há diversos estudos de caso que podem ser acessados no site do MLab (http://www.managementinnovationlab.com/publications/casestudies). Além deles, há o exemplo da empresa de software Irdeto. Eles nos procuraram para ajudar a solucionar um problema de distribuição geográfica. Com operações em diversos países da Ásia e da Europa, a sede da empresa e todos os executivos seniores ficavam em Amsterdã. Com isso, as decisões ficavam todas concentradas na Europa e a empresa perdia negócios importantes na Ásia por falta de agilidade. O presidente da Irdeto tinha a idéia de estabelecer sedes virtuais para desconcentrar as decisões e atribuir a cada escritório isoladamente a responsabilidade pelo fechamento de novos negócios. A primeira parte do experimento envolveu uma pesquisa com todos os funcionários, que foram entrevistados pelo MLab para identificar os pontos do processo de decisão que precisavam ser desconcentrados. Então, o CEO se mudou para o escritório da China e diretores importantes foram transferidos para a Tailândia, os EUA, Cingapura, Dubai e Coréia do Sul. Novas pesquisas foram realizadas meses após essas mudanças para identificar as correções de rumo necessárias. O processo foi conduzido como a pesquisa de um novo remédio. É preciso testar as condições antes e após a administração da nova droga. A maioria das empresas não procede dessa maneira e, ao criar uma nova estrutura a partir de um experimento no MLab a empresa acompanha o impacto das mudanças e sente mais confortável para inovar outras vezes.

EN - Como empresas que enfrentam os mesmo problemas endereçados por experimentos do MLab podem se beneficiar deles?
Birkinshaw - A proposta do Management Innovation Lab é primordialmente acadêmica e pressupõe a disseminação do conhecimento produzido. No entanto, temos com os nossos parceiros fundadores e estratégicos um acordo que lhes garante acesso às conclusões antes do resto do público. Além dos resultados específicos dos experimentos, o MLab promove uma série de eventos e palestras que podem auxiliar empresas em seus projetos de inovação gerencial. O calendário de palestras pode ser acessado no site: http://www.managementinnovationlab.com/news.

A nossa primeira conferência própria, com duração de dois dias, será realizada no próximo dia 28 de maio, na Califórnia (http://www.managementinnovationlab.com/node/104). Estamos também planejando eventos exclusivos para consultores, para treiná-los nas ferramentas que desenvolvemos e que estamos usando nos experimentos. Esta seria uma forma de beneficiar um número ainda maior de empresas e promover o que gostamos de chamar de "movimento de inovação gerencial".

EN - Quem são os parceiros do MLab?
Birkinshaw - Temos dois tipos de parceiros: os fundadores - como o banco suíço UBS, a David and Elaine Potter Charitable Foundation e o Chartered Institute of Personnel and Development - e os estratégicos, como a London Business School, que tem exclusividade no meio acadêmico. Cada um destes parceiros tem uma cadeira no conselho de administração e todo o conhecimento produzido pertence a estes parceiros em conjunto. A essência do MLab é cooperativa. Todas as decisões são tomadas em conjunto pelos parceiros.

EN - Como se pode fomentar a inovação gerencial? Existe um conjunto de medidas que pode ser implementado para garantir que esse processo aconteça de maneira contínua?
Birkinshaw - Existem três princípios de organização que podem ajudar a promover a inovação. O primeiro deles é a diversidade de opiniões. Na empresa de software indiana Infosys, eles desenvolveram um conceito chamado "Voice of You" (A sua voz), que prevê a participação de cinco funcionários de menos de 30 anos nas reuniões do conselho de administração. O critério adotado por eles foi a idade, mas há outras empresas que privilegiam nacionalidade, gênero ou experiência profissional, por exemplo. O segundo princípio é o de alocar tempo para atividades não-produtivas, permitindo que os funcionários utilizem parte de sua jornada para desenvolver projetos que não estejam diretamente relacionados às suas responsabilidades na empresa. O Google e a 3M são os exemplos mais conhecidos, onde cada funcionário pode dedicar entre 10% e 20% de seu tempo a projetos de interesse pessoal. O terceiro princípio é o que os sociólogos chamam de força entre os elos mais fracos e que nada mais é do que a capacidade de estabelecer conexões e adaptar idéias de indústrias diferentes, não relacionadas diretamente ao setor de atuação da empresa. Essas conexões podem agregar diferenciais competitivos importantes e, muitas vezes, levam a rupturas nos sistemas de gestão que posteriormente ficam conhecidos como grandes inovações. Henry Ford foi o primeiro a fortalecer esses elos quando trouxe um conceito utilizado nos matadouros para a indústria automobilística, o da linha de montagem. A companhia aérea Easyjet é outro exemplo de como o modelo de um setor aplicado de maneira criativa em outro pode representar uma inovação significativa. Stelios, o seu fundador, levou a lógica das tarifas dinâmicas utilizada pelo setor hoteleiro para a aviação. Então, para que uma empresa esteja aberta à inovação contínua, é importante que ela observe esses três princípios.

EN - O senhor disse, em artigo publicado pela revista acadêmica Califórnia Management Review, que as empresas só estarão preparadas para inovar quando aprenderem a falhar e a lidar com os riscos. Que empresas trabalham bem a equação entre risco e inovação?
Birkinshaw - O exemplo óbvio é o Google, que parece ter uma espécie de licença para correr riscos. Que outra empresa pode se dar ao luxo de colocar seu presidente numa reportagem da revista Fortune apontando como exemplo a ser seguido uma funcionária que perdeu US$ 1 milhão num projeto frustrado? Claro que é uma situação pouco usual e que há empresas que não podem nem sonhar em viver nesse tipo de ambiente. Mas a filosofia por trás do modelo do Google - que é a de falhar rápida e sistematicamente, controlando os riscos e aprendendo com os projetos abortados - pode ser adaptada. A mentalidade é similar às dos fundos de capital de risco (venture capital). A Shell é uma empresa que fez isso muito bem, com uma iniciativa chamada "Game Change". A companhia adotou um modelo de portfólio de investimentos para incentivar a inovação, partindo do pressuposto que, a cada 20 iniciativas, apenas três ou quatro serão bem-sucedidas. A fórmula permitiu testar projetos que, quando tem seu potencial comprovado, recebem investimentos maiores. Boa parte das iniciativas inovadoras em curso na Shell hoje nasceu dentro do Game Change. Esse exemplo mostra que é possível equacionar inovação e risco, desde que se tenha cuidado com quanto dinheiro será investido e que o impacto de eventuais falhas seja claramente mapeado. O que o Game Change faz é embutir na política de investimentos em inovação a lógica de testar idéias em menor escala antes de apostar pesado nelas. E isso é exatamente o que o MLab busca com os seus experimentos.


Fonte: Por Camila Hessel, in epocanegocios.globo.com

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