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Os desafios da competição responsável

Até 2050, segundo o Goldman Sachs Group, os BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) deverão ocupar três das quatro posições entre as maiores economias mundiais, hoje representadas no G6, grupo constituído por França, Alemanha, Itália, Japão, Reino Unido e Estados Unidos. Se quiserem, no entanto, que esse crescimento econômico venha acompanhado de bem-estar humano e proteção ambiental, esses países terão que avançar na adoção de um conceito cada dia mais valorizado nos mercados globais, o da competitividade responsável.

De acordo com o relatório "O estado da competitividade responsável-2007", desenvolvido pela consultoria inglesa AccountAbility, todas as nações do grupo, com exceção da África do Sul, obtiveram notas medianas em relação a esse conceito. "A competitividade responsável é o estado em que a ação dos negócios, as políticas públicas e os agentes sociais trabalham em conjunto para promover o desenvolvimento sustentável nos mercados globais", explica Alex MacGillivray, diretor de programas da AccountAbilitty.

Os resultados do relatório indicam que as nações mais desenvolvidas são também as mais avançadas na assimilação de práticas empresariais responsáveis em suas economias. Tanto é que países nórdicos como a Suécia, Dinamarca, Finlândia, Islândia, Noruega e Reino Unido ocupam os primeiros lugares no estudo.

Embora aponte uma clara correlação entre os dois conceitos, o estudo mostra que um desenvolvimento econômico mais consistente e perene só ocorrerá com a ascensão da competitividade responsável. Por isso, os países emergentes terão que enfrentar os seus dilemas sociais e ambientais, promovendo cenários mais estimulantes para a cooperação intersetorial. "O contexto de atuação desses países não será o mesmo no caminho até 2050. As previsões ambientais para essa época não são animadoras e a velocidade do aquecimento global sinaliza fortes mudanças nos hábitos de consumo e produção. A sustentabilidade da crescente população da Terra, principalmente em países pobres, requererá grandes mudanças culturais e econômicas. As práticas de mercado terão que ser revistas para acompanhar todas as outras mudanças", afirma Claudio Boechat, professor da Fundação Dom Cabral.

Desempenho dos BRICS
Para elaboração do relatório "O estado da competitividade responsável - 2007", a AccountAbility avaliou 108 países em três aspectos: ação empresarial, impulsionadores de políticas e habilitadores sociais.

De acordo com essa avaliação, os países foram divididos em quatro grupos que retratam diferentes estágios de evolução da incorporação de princípios de sustentabilidade aos negócios: "iniciantes", "cumpridores", "assertivos" e "inovadores".

"O objetivo desse relatório não é identificar vencedores ou perdedores, mas sim encorajar todos os países a elaborar estratégias para valorizar a competitividade responsável. Todos serão beneficiados à medida que viabilizarem práticas comerciais sustentáveis", ressalta MacGillivray.

Os BRICS estão, em sua maioria, entre os grupos de países iniciantes e cumpridores, com exceção da África do Sul que se inclui entre os assertivos. Em uma escala de 1 a 100, o país alcançou 62,5 pontos no (ICR) Índice da Competitividade Responsável, ocupando a 28ª posição do ranking. O Brasil situa-se sete pontos abaixo e se encontra na 56ª posição, à frente da Índia (70º), Rússia (83º) e China (87º).

O relatório de competitividade responsável (CR) usa como base alguns dados do relatório de competitividade do World Economic Forum. "Em sua origem o relatório CR teve como propósito expandir o conceito de competitividade incluindo a preocupação com a sustentabilidade que é inserida no estudo de forma não objetiva", afirma Carlos Arruda, professor da Fundação Dom Cabral.

Ao cruzar os resultados do relatório de competitividade responsável, da AccountAbility, com os estudos do (WEF) Word Economic Forum e do (IMD) International Institute for Management Development é possível fazer um diagnóstico mais profundo do desempenho dos países e desafios para promover mercados sustentáveis.
No relatório de competitividade do WEF, a Rússia e a China ocupam respectivamente o 58º e 34ª lugares do ranking de países.

O alto valor do petróleo e gás faz com que a Rússia se destaque em quesitos como Estabilidade Macroeconômica e Tamanho do Mercado. Mas a falta de transparência e corrupção são fatores críticos. Na avaliação do WEF, o setor privado recebe notas muito baixas em relação ao comportamento ético, ocupando a 120ª posição.

A China beneficia-se do tamanho de seus mercados domésticos e internacionais (2ª posição no pilar Tamanho do Mercado), além da estabilidade de seu ambiente macroeconômico (7ª posição). Porém, a falta de abertura do mercado financeiro, a deficiência nos sistemas de educação superior e profissional, assim como a falta de eficiência nas instituições públicas e privadas, impedem o país de assumir uma posição competitiva destacada.

A Índia, assim como os demais BRICS, também se beneficia pelo tamanho de seus mercados (3ª posição). Mas apresenta problemas nos fatores de Estabilidade Macroeconômica, de Saúde e Educação Básica, além de distorções na variável Eficiência do Mercado de Trabalho, fruto da excessiva regulamentação nas questões trabalhistas e da falta de flexibilidade da força de trabalho.

Desempenho do Brasil
No índice de competitividade responsável, o Brasil obteve 55 pontos em uma escala de 1 a 100. MacGillivray faz uma provocação em relação ao desempenho brasileiro. "Esses 55 pontos indicam que a taça está quase cheia ou quase vazia?", diz. "Essa avaliação é, por vezes, injusta em um país de realidades tão diversas como o Brasil. Ele possui características que o enquadram, ao mesmo tempo, nos quatro grupos de países classificados ("iniciantes", "cumpridores", "assertivos" e "inovadores")", ressalta o diretor de programas da AccountAbility.

Os diagnósticos do relatório do WEF ajudam a encontrar as possíveis causas para o baixo desempenho do Brasil. O alto spread bancário, gastos públicos ineficientes, peso da carga tributária, burocracia, baixa qualidade da infra-estrutura e um sistema legal complexo e ineficiente são alguns dos fatores que puxam para baixo a posição do Brasil no relatório.

O relatório de competitividade mundial, publicado pelo IMD, reforça esse diagnóstico e traz um dado ainda mais preocupante. Entre os países que compõem os BRICs, somente o Brasil está entre as economias que apresentam perda de espaços competitivos. A competitividade do País distanciou-se da dos Estados Unidos em dois pontos percentuais nos últimos dez anos.

Segundo conclusões da Fundação Dom Cabral, a partir do estudo do IMD, a perda de competitividade do Brasil pode estar associada à falta de melhoria significativa da infra-estrutura, principalmente nos quesitos relacionados à tecnologia e educação. Em 2007, o Brasil aparece respectivamente na 51ª e 48ª posições gerais nesses fatores.

"A capacidade de um país se reinventar é um dos fatores determinantes para a competitividade e essa característica está relacionada diretamente à geração de conhecimento, área em que estamos perdendo espaço. Para se ter uma idéia, o Brasil gera apenas 0,6% das patentes com validade internacional, o que nos coloca na 55ª posição dentro do grupo de países que mais geram conhecimento", afirma Arruda.

Desafios futuros
Para Marcio Pochmann, presidente do IPEA, a posição do Brasil em relação ao mundo no que diz respeito à competitividade resulta de um momento econômico desfavorável. "Nos últimos 25 anos, atravessamos um período de elevado endividamento que nos colocou em desvantagem em relação à competitividade mundial. Também tivemos que lidar com fases de superinflação que duraram 15 anos. O Estado, as empresas e a sociedade tiveram que se estruturar para lidar com tais dificuldades. Isso acabou privilegiando uma visão de curto prazo. Mas estamos superando essa fase e começando a pensar o que queremos para o futuro", ressalta Pochmann.

Para reverter a situação é preciso separar as questões emergenciais das prioritárias. Entre as emergenciais, Pochmann cita como exemplo a reforma tributária e o PAC (Plano de Aceleração do Crescimento). "No planejamento das ações de longo prazo, precisaremos considerar três aspectos. O primeiro diz respeito a limites no padrão de crescimento, baseado no consumo de massa. O segundo aspecto é o movimento de concentração de riquezas, intensificado pela fusão de grandes corporações. Hoje, o Brasil tem cinco empresas no grupo das 500 maiores do mundo, todas elas baseadas na velha economia (mineração, petróleo etc). É importante pensar quais empresas queremos ter no futuro, pois a maior parte das inovações está relacionada à atividade empresarial. Por fim, temos que considerar as mudanças na relação da sociedade com o trabalho. A competitividade depende cada vez mais de bases imateriais como o conhecimento. A educação deve voltar-se para essa nova realidade", ressalta Pochmann.

Diante da complexidade dos desafios, Boechat acredita que será necessária uma transição da era da competitividade para a da cooperação. "Os estados-nação não vão dar conta da série de limitações que vêm sendo impostas pelo meio ambiente e por uma consciência humana de que deve haver justiça na distribuição de renda e qualidade de vida. É preciso pensar em como a questão da competição e da cooperação vai ser arranjada no jogo entre estados, nações e grandes corporações. Trata-se de um jogo novo que nunca aconteceu antes na humanidade", conclui Boechat.


Fonte: Por Juliana Lopes, in Gazeta Mercantil/Caderno A - Pág. 12

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