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Empresas brasileiras, o estado e o futuro

Tal qual as pessoas, sociedades desenvolvem ao longo do tempo formas de lidar com fatos novos, sejam eles oportunidades ou ameaças. Nem sempre este repertório é adequado para lidar com novos desafios.

Nós brasileiros temos o nosso jeito particular de lidar com desafios colocados pelo ambiente externo, e com os conflitos internos, entre grupos sociais. Este jeito, que chamamos aqui de "repertório brasileiro de soluções", vem se formando desde os tempos coloniais, e é formado por alguns elementos que interagem entre si, reforçando e consolidando este repertório.

O primeiro deles é o Estado, sempre presente nas soluções escolhidas. Muitos brasileiros acreditam que o Estado pode e deve prover soluções. E isto vem de longa data, é uma legítima herança da nossa colonização. Vale lembrar que Portugal foi o único país europeu que não teve uma nobreza capaz de desafiar o rei, pois foi formado por um conde espanhol que se tornou independente. Único senhor de terras (além do clero e de alguns aliados), o rei personificava o Estado e reinava absoluto. Nós também temos um Estado poderoso, que manda muito, distribui favores e benesses.

Apesar de poderoso, este Estado é frágil, no sentido que foi incapaz de desenvolver um projeto de nação que inclua todos os grupos sociais. A segunda característica do nosso "repertório de soluções" é que o governo governa para si e seus aliados.
As relações entre o Estado e a empresa brasileira foram sempre turbulentas. A virtual proibição de atividades industriais no período colonial foi seguida pelo favorecimento das manufaturas inglesas por D. João VI. O Brasil independente tinha pouco apreço pelo empreendedor fora da agricultura de exportação e do comércio tradicional, como atestam as perseguições ao banco, às ferrovias e ao estaleiro de Mauá, por parte de D. Pedro II.

Na República, o café predominou como principal atividade econômica, e somente com Getúlio começou o investimento sistemático na indústria e em infra-estrutura econômica. Mas de forma inadequada: o Estado tudo regulava, controlava sindicatos, proibia o capital estrangeiro em algumas atividades, comprava toda a produção de café e açúcar, criava cotas de importação, controlava o câmbio e o crédito. Usava estes instrumentos para fins políticos, beneficiando alguns poucos, e criando grandes ineficiências e distorções no mercado.

Os usos mais exóticos da regulamentação estatal foram abandonados, mas permanecem proteções e incentivos criados há décadas para indústrias nascentes, ao mesmo tempo em que não foram viabilizadas soluções satisfatórias para a infra-estrutura econômica necessária ao crescimento. Incentivos cruzados geram distorções notáveis, ao favorecerem produtores de matérias-primas, em detrimento da competitividade de seus clientes. Proteções alfandegárias e incentivos fiscais, cumulativos em alguns casos, favorecem empresas em detrimento do poder aquisitivo dos consumidores.

É preciso repensar as relações entre o Estado e a empresa. Esta precisa se concentrar no atendimento a novos requisitos, para não se tornar irrelevante em mercados que se globalizam rapidamente. Precisa poder comprar matérias-primas e contratar serviços a bons preços internacionalmente, se organizar para ter acesso a recursos financeiros a custos internacionais, crescer para atingir escala competitiva, atrair e manter pessoas com as competências necessárias à globalização, aprender a transportar seus ativos intangíveis para novos mercados, e assegurar sua permanência, se mostrando como socialmente responsável e obediente às leis.


Fonte: Por Clovis Corrêa da Costa, in Gazeta Mercantil/Caderno C - Pág. 7

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