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Quatro grandes desafios econômicos para a empresa global de hoje

Talvez tenha se tornado um chavão muito comum dizer que a velocidade de transformação da economia mundial é simplesmente alucinante, mas o fato é que isso não passa de meia verdade se olharmos para o que se passa na realidade. As notícias chegam em meio a uma avalanche tonitruante confusa e absurda. O UBS, aquela fortaleza do sistema bancário suíço, precisa de socorro financeiro no valor de 11,5 bilhões de dólares que virá de um grupo de investidores da Ásia e do Oriente Médio, enquanto seu primo americano, o Citigroup, é salvo graças a uma injeção de 7,5 bilhões de dólares de um fundo de Abu Dhabi.

A maré alta por que passam os fundos de mercados emergentes e de multinacionais do sul que investem nas economias ricas do norte é só uma das muitas transformações tectônicas em curso anunciadas em um artigo anterior de Tomorrow’s Challenges [Desafios do amanhã]: “Os tempos estão mudando”, publicado exatamente há um ano. Uma tendência muito importante que enfatizei na ocasião dizia respeito à morte do sistema econômico mundial do tipo eixo-e-raio, em que os países da OCDE eram o eixo e os mercados emergentes os raios do sistema. Não só há muita movimentação de capital em outro sentido (sul-norte), como há também um crescimento espetacular nas transações sul-sul. Basta pensar no seguinte (um exemplo apenas em meio a um conjunto imenso de estatísticas vertiginosas): “Os fluxos de comércio entre o Oriente Médio e a China, no ano passado, totalizaram 69 bilhões de dólares, ante 6 bilhões em 1995. Em 2000, havia apenas sete vôos sem escalas de seis países árabes do Conselho de Cooperação do Golfo para a China. Hoje, são 50.” (Financial Times, 10 de dezembro de 2007).

Embora a confusão deva continuar a reinar, e a incerteza seja a única certeza que podemos ter em relação ao futuro, parece razoavelmente seguro dizer que o ambiente corporativo mundial terá que enfrentar quatro desafios fundamentais:

Primeiro grande desafio: a China
Embora os quatro Brics, Brasil, Rússia, Índia e China, e outros agentes econômicos emergentes importantes devam continuar a surpreender a economia mundial, a China estará muito à frente dos demais devido a seu impacto econômico sobre praticamente todo e qualquer aspecto do planeta que nos possa vir à mente: climático, geopolítico, comercial, esportivo (Olimpíadas), financeiro e de política cambial, turístico, energético, preços de commodities, infra-estrutura etc. Só no aspecto de infra-estrutura, a China conta com mais de 45.000 km de rodovias, e deverá chegar a 85.000 até 2010. Haja asfalto! Embora a economia chinesa seja pequena comparada com a americana, sua contribuição ao crescimento do PIB mundial é bem maior (31% no caso chinês e 15% no caso dos EUA em 2006) e deverá crescer mais ainda. Multinacionais americanas como a GE estão de olho na China em busca de lucros que compensem os prejuízos que deverão ter caso haja recessão no país. O que importa hoje não é mais saber se as economias conseguirão de “descolar” da economia americana, e sim de que modo o processo de “descolamento reverso” — dependência dos EUA da China e de outros mercados emergentes — deverá ocorrer.


Segundo grande desafio: politização do comércio mundial e protecionismo
A comunidade germânica de negócios está furiosa porque a hospitalidade estendida por Ângela Merkel ao Dalai Lama pode comprometer seriamente os interesses das empresas alemãs. Enquanto isso, Sarkozy evita o Dalai Lama, abraça Kadafi e, no caminho, vai colhendo possíveis contratos com chineses e líbios. O fenômeno não é novo, mas o padrão se intensificará e se ampliará. Com a crise sistêmica que se instalou nas instituições de governança econômica global, todo um espectro de “ismos” nocivos marcarão presença no cardápio mundial de negócios de 2008: nacionalismo econômico, mercantilismo, bilateralismo, “preferencialismo”, unilaterialismo e protecionismo. Incidentes anteriores, como as tentativas abortadas da Empresa Nacional Chinesa de Petróleo Offshore (conhecida pela sigla inglesa CNOOC) de compra da Unocal, e a investida da Dubai Ports sobre a P&O (que lhe facultaria o controle sobre alguns portos americanos) se multiplicarão.

O Grupo Tata foi repelido quando demonstrou interesse pela compra do grupo de lazer de luxo americano Orient-Express com base na suposta origem pouco refinada do grupo indiano, embora tudo indique que a Tata Motors deva sair vencedora, apesar da enorme resistência e relutância à aquisição da Jaguar e da Land Rover pela Tata. O governo francês rejeitou também a tentativa do Grupo Tata de comprar o célebre champanhe Taitinger pelos mesmos motivos. Esnobismo, segurança, identidade, orgulho, política nacional, seja qual for o motivo, o fato é que os negócios se tornarão cada vez mais politizados e menos globalizados. Poderão também se tornar, como já ocorre sob muitos aspectos com a reação que se observa ao “desafio chinês”, um subtema da síndrome do “choque de civilizações”. Em 2008, parece que as desavenças entre o protecionismo americano e o chinês — e cada vez mais também o europeu — se tornarão mais ameaçadoras. À medida que a temperatura sobe de um lado, haverá retaliações do outro. Reações adversas de um lado vão gerar reações adversas do outro. Em um ambiente político e ideológico extremamente volátil, as empresas devem também esperar eventos imprevisíveis, e que farão delas “vítimas inocentes”, como aconteceu à empresa dinamarquesa de laticínios Arla no Oriente Médio (seu principal mercado no exterior) depois da publicação de charges do profeta Maomé em um jornal do interior da Dinamarca.


Terceiro grande desafio: pobreza, desigualdade e “base da pirâmide”
Assim como não há praticamente novidade alguma na politização dos negócios, também a pobreza e a desigualdade não são nenhuma novidade. A diferença hoje é que (1) a desigualdade parece estar aumentando por toda parte, sendo mais visível principalmente (2) para as massas nesta era da informação. Embora haja estatísticas animadoras no que se refere à redução da pobreza — sobretudo no leste asiático —o fato é que cerca de 50% da população do planeta, mais ou menos três bilhões de pessoas, continua pobre demais para que possa participar da economia de mercado mundial. Um indicador importante mostra que metade da população mundial nunca fez uma ligação telefônica. Como a telefonia móvel é uma das tecnologias mais acessíveis aos pobres, esse número poderá diminuir substancialmente, mas não deixa de ser emblemático se levarmos em conta a era global em que vivemos. Outro dado ainda mais terrível do que esse é o fato de que um terço da população mundial não tem acesso à água potável ou a condições de saneamento básico adequadas. A difícil situação dos pobres contrasta cada vez mais com a abundância dos ricos. Segundo informações, o magnata mexicano Carlos Slim teria aumentado sua fortuna em 27 milhões de dólares por dia desde 2005, ao passo que a população mexicana vive com menos de dois dólares ao dia. Não existe apenas um hiato cada vez maior entre ricos e pobres, mas também entre os que têm e os que não têm. As disparidades são maiores e cada vez mais escancaradas entre os que têm cada vez mais e os que têm cada vez menos. O coeficiente de Gini (que mede a disparidade de renda nos países) está crescendo desmesuradamente por toda parte. Tomando por base as tendências demográficas, segundo as quais os ricos têm cada vez menos filhos e os pobres cada vez mais, chegamos a duas conclusões: (1) os tumultos sociais podem se tornar endêmicos em grandes contingentes no mundo todo, enquanto (2) as grandes oportunidades de mercado para as empresas convergirão para o que C. K. Prahalad chama de “base da pirâmide” (BoP, na sigla em inglês). As estratégias de BoP, portanto, são cada vez mais imprescindíveis para as empresas, tanto por razões políticas quanto de comprometimento social para “melhorar a condição do mundo” (conforme o slogan do Fórum Econômico Mundial) e, assim, atenuar os riscos, já que ali, futuramente, serão colhidos os lucros. Do ponto de vista do interesse próprio esclarecido, as estratégias de negócios deveriam ter em mira o fortalecimento das classes “ascendentes” e a redução das desigualdades.


Quarto desafio principal: uma agenda verde
A questão ambiental é outra transformação recente radical. Vinte anos atrás, os verdes eram marginais. Hoje, o meio ambiente é política fundamental e prioridade estratégica cada vez mais influente. Contudo, embora o processo de políticas públicas — no tocante ao meio ambiente e a muitas outras questões — venha avançando a passos de tartaruga, cada vez mais a agenda se pauta por corporações visionárias. O termo “sustentável” já faz parte da retórica, da estratégia e da consciência dos negócios. Assim como no caso da pobreza e da desigualdade, talvez o setor privado tenha uma contribuição única a dar em face do desafio imposto pelo meio ambiente através de tecnologias verdes e de práticas de negócios inovadoras. Isto não significa que as ONGs comprometidas com a ecologia devam relaxar e parar de se preocupar com os possíveis efeitos destrutivos da atividades das empresas, pelo contrário. Mas a questão agora é que as empresas — não apenas nos países industrializados, mas também nas nações em desenvolvimento — são muito mais suscetíveis às percepções e pressões externas relativas ao meio ambiente.

Nenhum desses desafios nos espreitam no horizonte longínquo. Eles são realidade hoje. A empresa que não tiver estratégias e estruturas adequadas, e principalmente pessoal adequado para lidar agora, em 2008, com esses quatro desafios fundamentais de amanhã, talvez não cheguem lá para contar a história.


Fonte: Por Jean-Pierre Lehman, in epocanegocios.globo.com

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