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O gestor e a sua fundamental coerência

Difícil imaginar a cena a seguir acontecendo hoje em dia, mas foi o que um amigo, perplexo, me contou na semana passada. Enquanto esperava ser atendido por um cardiologista, a secretária acendeu um cigarro diante de todos que aguardavam a consulta na recepção. Mesmo hesitante, ele optou por não questionar o experiente médico sobre o que ocorrera na sala ao lado, pressupondo a permissividade do cardiologista. A má impressão deste profissional, no entanto, permanecerá nele por um bom tempo.

O episódio descrito acima retrata o tipo de incoerência visível ao público externo, já bem conhecida por clientes e consumidores. Entretanto, a falta de coerência não se resume a este âmbito. Saindo do ambiente do consultório e refletindo acerca das organizações, é possível entender que a coerência é algo imprescindível ao gestor. Hoje, o público externo já tem como recorrer quando se sente lesado pela falta de coerência, por exemplo, por meio do Código de Defesa do Consumidor. O drama está, no entanto, dentro do ambiente interno. A incoerência que atinge os funcionários causa um prejuízo nem sempre devidamente percebido. E este problema pode ser detectado tanto em relação à missão e valores declarados pela organização como nas "pequenas" atitudes dos gestores.

A incoerência, ironicamente, anda junto à (falsa) verdade. Isso porque quando nos achamos donos da verdade estamos muito próximos de fazer o oposto do que dizemos. Essa atitude gera uma desarmonia dentro das organizações pela ausência de lógica ou conexão entre as idéias e as ações. O tema é aparentemente simples, mas ocorre com freqüência e traz como conseqüência uma série de problemas para nossa vida pessoal e profissional, dificultando as relações e prejudicando a empresa onde se trabalha.

Entretanto, antes de acusarmos a nossa ou outras empresas de cometerem isso, vale a pena perguntarmos: "E eu, sou coerente? Aquilo que falo é o mesmo que faço?". Essa coerência é a base para a existência da confiança na empresa, nos outros, nos relacionamentos e em si mesmo. E a confiança alimenta a vontade, o comprometimento, a busca do melhor em cada ação, além da aceitação de momentos difíceis. Em outras palavras, a coerência e a confiança sustentam o engajamento das pessoas entre si e com a empresa.

No mundo corporativo, constantemente ouvimos os diretores e gerentes dizendo: "quero trabalho em equipe, preciso da opinião e participação de todos". Entretanto, muitos exemplos mostram o contrário. Quando conduzem uma reunião, vários acabam decidindo tudo apenas por si. Do outro lado, funcionários prometem metas incríveis, tentando se destacar dos demais, e depois não conseguem atingir seus objetivos (a culpa, claro, sempre recai nos colegas, na empresa, nos clientes, no governo, nos concorrentes...).

Atitudes incoerentes geram um círculo vicioso, pois alimentam conflitos diários e, conseqüentemente, levam à desmotivação e mais incoerência. O clima pesa e as pessoas deixam de confiar uma nas outras, esperando sempre algo contrário ao o que é dito, já que a experiência delas mostra que o real é diferente do prometido.

Problemas normalmente relacionados à falta de comunicação, trabalho em equipe, comportamento, prazo, entre outros, podem ter pelo menos uma parcela relativa à falta de coerência. Não é difícil encontrar situações em nossas vidas que refletem isso. Recordo-me de uma vez ter feito um belo discurso para a minha equipe, falando do valor e da importância deles. Entretanto, fui apontado por eles como centralizador e controlador, o que em outras palavras significava que, na prática, eu não confiava na capacidade deles. A situação era clara: eu não estava sendo coerente.

Isso serve para mim como pode servir para todos. Vale a pena fazer um "auto-diagnóstico", que poderia ser chamado de um "diagnóstico da coerência". Não há nada melhor do que começar a investigar aquilo que o/a incomoda ou a sua equipe. Para aprofundar esse diagnóstico não hesite em perguntar às pessoas mais próximas e mais sinceras contigo sobre onde falta coerência em você. Se a falta de conexão entre idéias e ações já ultrapassou a esfera individual e se generalizou pela empresa, uma visão externa, com a ajuda de profissionais especializados, pode ser uma boa solução.

De qualquer maneira, o importante é não temer a incoerência. Ao nos deparamos com nossos próprios erros é comum virem sentimentos de raiva, frustração e até injustiça. Neste momento, a melhor atitude é olhar para si mesmo com um certo distanciamento, assumindo os erros, mas lembrando que eles são apenas uma parte que pode ser transformada. A postura mais nociva é querer ignorá-los. É como uma doença. Só podemos tratá-la ao reconhecermos que estamos doentes. Esse é o primeiro passo. E isso é ser coerente, na prática.


Fonte: Por Eduardo Elias Farah , in Gazeta Mercantil/Caderno C - Pág. 9

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