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Gestão da crise não foi aprendida pela TAM

As duas maiores companhias aéreas do Brasil, TAM e Gol, escreveram nos últimos anos incríveis histórias de sucesso empresarial. A TAM saiu de uma situação de enormes dificuldades financeiras, em 2001, e tornou-se líder do setor. A Gol nasceu seis anos atrás e, com seu modelo de negócios, cresceu a um ritmo incrivelmente veloz. Ambas abriram o capital, têm ações negociadas na Bolsa de Valores de Nova York e estão entre as companhias aéreas mais rentáveis do mundo.

A tragédia do vôo 3054 da TAM, porém, expôs de forma brutal uma realidade que se mantinha mascarada pelos ótimos números das duas empresas. Tamanho crescimento ocorreu ao mesmo tempo que aumentavam as preocupações com a segurança de aeroportos que, como Congonhas, operam muito acima de sua capacidade. E, para piorar, ficou claro quanto as empresas em geral, e a TAM em particular, podem cometer erros quase incompreensíveis em momentos de crise. É evidente que um acidente dessas proporções, com 199 vítimas fatais (até o fechamento desta edição), é um golpe lancinante para qualquer organização. Mas também é fato que uma companhia aérea tem de conviver com a possibilidade cruel de que isso possa ocorrer -- independentemente de quem sejam os responsáveis.

A reação da TAM mostra que seus executivos aproveitaram pouco a dramática experiência vivida com o acidente de outubro de 1996, quando um Fokker 100 da empresa caiu sobre casas vizinhas ao Aeroporto de Congonhas, matando 99 pessoas. As circunstâncias são morbidamente semelhantes nos dois casos. A empresa, o lugar e a peça do avião hoje em suspeita (o reverso da turbina, travado no Airbus e que foi responsável pela queda do Fokker) são os mesmos. Existem, claro, muitas diferenças.

Há 11 anos, a TAM nem sequer tinha um plano de gestão de crise em caso de acidente -- e o resultado foi uma reação intuitiva, calcada na figura do fundador da companhia, Rolim Amaro. O baque inicial foi estupendo, uma queda de 22% nas ações da empresa. Mas os índices não tardaram a voltar ao patamar anterior. Apesar do relativo sucesso, Rolim decidiu pôr fim ao amadorismo. Copiou, então, o manual de gerenciamento de crise da American Airlines para que, caso houvesse uma nova tragédia, a companhia estivesse preparada para reagir de acordo. Mais um desastre aconteceu. E a empresa não mostrou o poder de reação planejado.

Os erros da TAM no epiósdio dividem-se em dois grupos. O primeiro diz respeito ao discurso da companhia, considerado pouco transparente por familiares e por especialistas em gestão de crise. Algo, aliás, que já tinha acontecido na crise do apagão aéreo que praticamente parou a empresa, no fim do ano passado. No dia seguinte ao acidente, o presidente da TAM, Marco Antonio Bologna, disse em entrevista coletiva que o Airbus e a pista de Congonhas estavam em "perfeitas condições". No dia seguinte, as afirmações foram colocadas sob suspeita. Primeiro, a empresa admitiu que um dos reversores, peça utilizada no pouso para ajudar a frear a aeronave, estava travado. Surgiu, assim, a grande questão: o avião, de fato, estava em perfeitas condições? Logo em seguida, um piloto da TAM, com autorização da companhia, afirmou que pousar em Congonhas em dias de chuva é arriscado. Para levar a situação ao paroxismo, a própria TAM cancelou boa parte de seus vôos em Congonhas no dia 24 de julho. O motivo alegado foi justamente a chuva, o que colocou a coletiva de Bologna e sua atitude posterior num conflito lógico. Se a pista não tinha problemas antes do acidente, por que evitá-la depois? São questões que, segundo os especialistas em gestão de crise, não podem ser levantadas após declarações dos representantes da empresa.

Além do discurso opaco, a TAM feriu a cláusula pétrea dos manuais de reação a acidentes aéreos: a obrigação de tratar com cuidado absoluto a família das vítimas. O responsável pela gestão de crise da empresa em Porto Alegre estava no vôo 3054, e a companhia não tinha um plano B preparado. Os parentes que chegaram ao Aeroporto Salgado Filho acabaram submetidos à exposição pública. Para tentar amenizar a situação, a TAM enviou a Porto Alegre executivos num jatinho. O avião deixou São Paulo logo após o acidente, mas não conseguiu pousar no Salgado Filho e foi para Curitiba. O resultado é que o time de gestão de crise da TAM só chegou a um dos principais palcos da tragédia cerca de 10 horas após seu início. "Nossos funcionários ficaram abalados e não conseguiram dar o atendimento devido aos parentes", diz Paulo Castello Branco, vice-presidente da TAM. Como agravante, a empresa mostrou-se confusa na comunicação com as famílias. A mulher do deputado federal gaúcho Júlio Redecker só recebeu um telefonema da TAM -- informando sobre a morte de seu marido e oferecendo ajuda -- após o enterro. O telefone posto à disposição das famílias só dava ocupado. (Segundo a empresa, a falha seria resultado do grande número de trotes sofridos.) E os parentes que viajaram para São Paulo no dia seguinte passaram 1 hora dentro de um Airbus da TAM à espera da decolagem. "A empresa decidiu incluir passageiros regulares nas poltronas vazias", diz Mário Selbach, assessor de Redecker, que estava no vôo. "Foi uma falta de sensibilidade atroz." A TAM afirma que um possível atraso teria ocorrido devido à checagem dos documentos dos familiares.

Outra lição não aprendida após a queda do Fokker 100, em 1996, é o perigo representado pelo Aeroporto de Congonhas. Na época, o tráfego de passageiros não passava de 6 milhões por ano, e autoridades chegaram a falar no fechamento do aeroporto, muito próximo de áreas densamente povoadas. O que aconteceu, porém, foi o inverso. Um novo aeroporto não foi construído. Guarulhos não foi ampliado. E, com o crescimento de TAM e Gol, o fluxo em Congonhas triplicou, atingindo 18 milhões de passageiros por ano, 50% acima de sua capacidade. Foi o período mais rentável da história da aviação civil brasileira. Impulsionado pela queda das tarifas e pela estabilidade econômica, o mercado local cresceu como poucos no mundo. As duas empresas têm em Congonhas seu principal centro de operações. Estima-se que cerca de 15% do lucro de TAM e Gol venha somente da ponte aérea Rio­São Paulo. Com o aeroporto no limite, as empresas lutavam ferozmente por cada direito de pouso e decolagem, o slot -- uma das principais justificativas usadas pela Gol para comprar a Varig foi, justamente, seu número de slots em Congonhas.

Nos últimos dez meses, desde o acidente da Gol na Amazônia, o sucesso das duas empresas vinha sendo afetado pela caos em que se transformou o setor aéreo brasileiro. Por serem obrigadas a manter os aviões no ar por mais tempo, as companhias passaram a gastar mais com combustível e pessoal. Além disso, ambas travaram uma batalha para manter os consumidores que se afastavam dos aviões em razão da crise. A conseqüência foi uma diminuição dos lucros. Nos últimos três trimestres, a rentabilidade da Gol caiu 45%. A da TAM, 32%.

Caminho semelhante foi seguido pelas ações das duas companhias. Numa reunião entre os representantes das empresas aéreas e autoridades do governo, teria havido acordo sobre a necessidade de liberar a pista de Congonhas em julho, um mês de alta temporada. "Ninguém se manifestou contra", diz o vice-presidente de uma companhia que participou da reunião. As obras não haviam acabado, e as ranhuras na pista estavam por fazer. O governo liberou a pista. A falta de ranhuras é hoje apontada como uma das possíveis causas do acidente.

Três dias após a tragédia, com o senso de urgência que lhe é peculiar, o governo anunciou medidas que têm como objetivo restringir o tráfego em Congonhas. A idéia é redistribuir os vôos regulares que fazem conexão no aeroporto, diminuindo em até 40% o número de pousos e decolagens. As conseqüências dessas mudanças serão drásticas para TAM e Gol. Segundo analistas, as companhias terão de transformar o modelo de negócios que as fez tão bem-sucedidas nos últimos anos -- modelo baseado no uso intensivo dos aviões, algo que, pela realidade do mercado brasileiro, pressupõe alto número de conexões. Assim, um avião da Gol, por exemplo, podia sair de Joinville, passar por Congonhas e seguir para Vitória, sempre lotado. A partir de agora, conexões desse tipo terão de ser feitas em Cumbica ou Viracopos, o que tende a diminuir a ocupação dos vôos.

Estudos feitos por um banco de investimentos apontam que, após as mudanças, o lucro líquido das duas cairão pelo menos 15% em 2007 e 2008. Além disso, o receio geral que surge após um desastre aéreo como o do vôo 3054 deve diminuir qualquer chance de recuperação das margens de lucro das companhias nos próximos meses. "É difícil aumentar preços se as pessoas têm medo de voar", diz Stephen Trent, analista de aviação do Citigroup. "Mas o potencial de crescimento do setor no país ainda é um dos maiores do mundo." Uma ironia diante de tamanho caos.


Onde a TAM errou
As falhas da empresa na gestão da crise detonada após o acidente do Airbus em Congonhas:

1 - Discurso pouco transparente
O presidente da TAM, Marco Antonio Bologna, disse que o Airbus estava em perfeitas condições, mesmo sabendo que um dos reversores do avião estava desativado quatro dias antes do acidente

2 - Comunicação errática
Três dias depois de Bologna afirmar que a pista estava em boas condições, um piloto da companhia, com autorização da própria TAM, disse que pousar em Congonhas é perigoso em dias de chuva

3 - Equipe despreparada para a crise
O funcionário da TAM responsável pela gestão de crise no Sul estava no vôo — e não havia ninguém para substituílo no Aeroporto Salgado Filho. Os parentes foram submetidos à exposição pública

4 - Descaso com os parentes das vítimas
As famílias dos passageiros foram acomodadas num hotel repleto de equipes de TV e fotógrafos. Para piorar, foram informadas sobre o nome dos passageiros por meio de um rádio

5 - Letargia
ATAM demorou dias para entrar em contato com familiares de algumas vítimas. Uma mulher só recebeu o telefonema da companhia após o enterro de seu marido em Porto Alegre


Fonte: Por Daniella Camargos, Melina Costa e Marcelo Onaga, com reportagem de Suzana Naiditch, in portalexame.abril.com.br

Comentários

Anônimo disse…
Muito bom o texto! P
Anônimo disse…
excelente artigo! obrigado
Silvia disse…
ótimo artigo! Parabéns!!!

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