Se há uma característica que une as grandes dinastias aos impérios dos negócios, ela é, certamente, o imenso apego de ambos a seu legado. Cabe às novas gerações a tarefa de preservar o que foi alcançado pelas anteriores -- e manter inabaladas suas principais conquistas. Ninguém, afinal, quer carregar o estigma de tê-las destruído. Nesse quesito, o presidente mundial da General Motors, Richard Wagoner, não tem motivos para se orgulhar. Nos últimos 75 anos, a montadora americana teve 11 presidentes. E, nesse tempo todo, manteve-se, imbatível, no posto de a maior do planeta. Coube a Wagoner a humilhação de ser o dono da cadeira justamente no ano em que a GM perdeu a liderança do mercado mundial para a Toyota (a empresa japonesa nem existia quando os americanos assumiram a primeira posição, em 1931). Na manhã de 24 de abril, após ter recebido a notícia, Wagoner foi tomado por uma obsessão: não ser lembrado pela história como o símbolo máximo da decadência de Detroit. Enviou, então, um e-mail a seus subordinados. "Ainda temos o ano inteiro pela frente -- e vamos lutar por cada venda", dizia o texto. "É claro que eu não gostei da notícia", disse Wagoner. "Vamos recuperar nossa antiga posição."
A tarefa à frente de Wagoner é inglória e faz lembrar a performance de um equilibrista de pratos. Apesar de todo o simbolismo da perda da liderança, seus problemas vão muito além do crescimento das concorrentes -- a GM enfrenta desafios mastodônticos para qualquer direção que se olhe. A companhia passa por uma crise colossal. O prejuízo acumulado de 2005 até hoje é de 12 bilhões de dólares. O gasto com planos de saúde e aposentadoria dos ex-funcionários chega a 1 500 dólares por carro vendido. Seus veículos, beberrões, são tudo que o consumidor não quer num momento de altas históricas no preço do petróleo e de patrulhamento ambiental. E a empresa depende do mercado americano, justamente o mais competitivo do mundo. Nesse cenário, a perda da liderança para a Toyota era tida como inevitável. Ou seja, a missão de Wagoner é tentar recuperar a coroa do mercado automotivo mundial, tornar a GM rentável, lançar uma linha de carros inteiramente novos e resolver o problema dos gastos com saúde e aposentadoria dos funcionários. Tudo ao mesmo tempo.
Em algumas das frentes de batalha, Wagoner já começa a apresentar resultados. Os principais foram obtidos na crucial questão dos gastos sociais. Para financiar a aposentadoria de seus 350 000 ex-funcionários e estancar um prejuízo de 5 bilhões de dólares anuais, ele criou um fundo de investimentos, administrado por especialistas em mercado financeiro. À GM, coube um aporte inicial de 18 bilhões de dólares. Outros desembolsos foram feitos após a venda de seu braço financeiro, a GMAC, para o fundo de private equity Cerberus por 14 bilhões de dólares. Em três anos, o fundo para aposentadorias saiu de um prejuízo de 17 bilhões de dólares para um lucro de 17 bilhões de dólares. "Nosso problema com as aposentadorias está resolvido", afirma Wagoner. Foi graças a esse fundo que a GM conseguiu reduzir seus prejuízos em quase 9 bilhões de dólares entre 2005 e 2006. "Isso deverá nos liberar caixa para investir em pesquisas e lançar novos carros."
Com o fôlego proporcionado pela economia com aposentadorias, Wagoner pôde se dedicar àquele que costuma ser o maior desafio de uma empresa do tamanho da GM, com seus 285 000 funcionários e operações em 33 países -- mudar. A GM sempre se comportou como se abrigasse quatro companhias independentes: nos Estados Unidos, na Europa, na Ásia e na América Latina. Cada uma tinha centros de desenvolvimento com estruturas próprias, da engenharia ao departamento de marketing, passando por recursos humanos, área comercial e departamento financeiro. O grau de independência era tal que um carro desenvolvido na Europa, por exemplo, dificilmente seria produzido nos Estados Unidos. Cada região respondia por projetos próprios, ainda que fossem redundantes. "O custo de desenvolvimento de um carro é de aproximadamente 1 bilhão de dólares", afirma Michael Robinet, da consultoria americana CSM Auto. "Projetos redundantes são sinônimo de perdas bilionárias."
Para evitar tais redundâncias e aproveitar as sinergias existentes entre as quatro unidades geográficas da GM, Wagoner determinou que todos os centros de desenvolvimento respondam a um único executivo: Robert Lutz, o número 2 da companhia. Além disso, cada um desses centros será responsável pelo desenvolvimento de determinado tipo de veículo. Ao Brasil caberá o desenvolvimento de picapes. Europa e Ásia deverão concentrar a criação de carros compactos. Nos Estados Unidos, serão desenvolvidos os utilitários e as picapes maiores. O primeiro teste dessas sinergias deverá ocorrer já em 2007. O novo Vectra, desenvolvido pela GM européia, também será produzido nos Estados Unidos. Claro, ações desse tipo estão longe de ser a redenção. Afinal, são passos um tanto óbvios -- a surpresa é que não tenham sido dados antes. Estima-se que esse plano simples permita à montadora uma economia de aproximadamente 5 bilhões de dólares ao ano e reduza o tempo de lançamento de novos produtos pela metade. "Precisamos ser mais eficientes e tirar melhor proveito de uma estrutura que já existe", afirma Wagoner. Além disso, a GM mudou o foco de seus lançamentos. Até o ano que vem, oito de seus modelos terão uma versão com motor híbrido, movido a gasolina e eletricidade.
Segundo os especialistas, a GM é a montadora americana que chegou mais longe em sua reestruturação. A Ford e a Chrysler (vendida em maio para o Cerberus) também avançaram e, com isso, o panorama mudou em Detroit. Um estudo recém-concluído pela consultoria Harbour and Associates mostrou que, entre 2002 e 2006, as americanas aumentaram a produtividade de suas linhas de montagem locais em quase 15% -- enquanto Honda e Toyota permaneceram estáveis. Do ponto de vista de custos, as três montadoras estão enxugando suas estruturas de maneira considerada bastante agressiva. Até 2012, cerca de 25 fábricas deverão ser fechadas e 60 000 trabalhadores demitidos. Pela primeira vez na história, o dinheiro para financiar essa reestruturação -- algo em torno de 50 bilhões de dólares -- não virá do caixa dessas companhias. Para conseguir recursos, foram hipotecadas fábricas, máquinas e propriedades. A Ford, presidida por Alan Mullaly, hipotecou até o direito de uso da marca da empresa. É quase como vender a própria alma. "As montadoras vivem um clima de urgência, daí a profundidade das mudanças", afirma Sean McLinden, economista-chefe do Centro para Pesquisa Automotiva nos Estados Unidos.
O caminho para fazer as montadoras americanas crescer e dar lucro ainda está no começo. Mesmo já tendo sanado o problema das aposentadorias, a GM ainda tem de arcar com o imenso passivo dos planos de saúde: um rombo de aproximadamente 60 bilhões de dólares. Além disso, reina nas fábricas das três montadoras um sistema arcaico de distribuição de trabalho. Em algumas das fábricas da GM, existem mais de 50 classificações de funcionários. Isso significa que um operário habilitado a operar uma máquina não pode trocar uma lâmpada, por exemplo. Na Toyota, existem apenas três classificações desse tipo. Além da questão social, prevalece nos Estados Unidos a crença de que os carros japoneses têm melhor qualidade. Com isso, lançamentos como o novo Saturn VUE, da GM, ou o Escape, da Ford, receberam excelentes avaliações da crítica, mas seu desempenho nas vendas continua abaixo do esperado. Segundo estimativas do Centro para Pesquisa Automotiva, o desprezo pelas marcas americanas custa às montadoras cerca de 3 000 dólares em descontos por veículo. Fazer o consumidor voltar a desejar seus carros é mais uma missão de Wagoner -- que, mesmo afundado em problemas, mantém o otimismo. "Nosso plano está dando certo, e é isso o que importa", diz ele. "Vamos lutar até o fim."
A estratégia de Wagoner
O novo plano de ação do presidente da GM
Por que ele perdeu a liderança...
- A GM apostou em carros grandes e beberrões, num momento em que o preço da gasolina atingiu altas históricas
- Os elevados custos com aposentadorias e planos de saúde drenaram os investimentos em inovação e novos produtos
- A empresa se concentrou no mercado americano, muito competitivo e com ínfimas margens de lucro
... e como pretende reconquistá-la
- Criar um fundo de investimentos para cobrir os gastos com planos de saúde, a exemplo do que foi feito com as aposentadorias
- Reduzir pela metade o tempo de lançamento de novos modelos — atualmente, o desenvolvimento de carros demora em média seis anos
- Apostar em mercados emergentes, como China, Índia e Brasil — onde as montadoras japonesas não têm presença marcante
Fonte: Por Carolina Meyer, in portalexame.abril.com.br
A tarefa à frente de Wagoner é inglória e faz lembrar a performance de um equilibrista de pratos. Apesar de todo o simbolismo da perda da liderança, seus problemas vão muito além do crescimento das concorrentes -- a GM enfrenta desafios mastodônticos para qualquer direção que se olhe. A companhia passa por uma crise colossal. O prejuízo acumulado de 2005 até hoje é de 12 bilhões de dólares. O gasto com planos de saúde e aposentadoria dos ex-funcionários chega a 1 500 dólares por carro vendido. Seus veículos, beberrões, são tudo que o consumidor não quer num momento de altas históricas no preço do petróleo e de patrulhamento ambiental. E a empresa depende do mercado americano, justamente o mais competitivo do mundo. Nesse cenário, a perda da liderança para a Toyota era tida como inevitável. Ou seja, a missão de Wagoner é tentar recuperar a coroa do mercado automotivo mundial, tornar a GM rentável, lançar uma linha de carros inteiramente novos e resolver o problema dos gastos com saúde e aposentadoria dos funcionários. Tudo ao mesmo tempo.
Em algumas das frentes de batalha, Wagoner já começa a apresentar resultados. Os principais foram obtidos na crucial questão dos gastos sociais. Para financiar a aposentadoria de seus 350 000 ex-funcionários e estancar um prejuízo de 5 bilhões de dólares anuais, ele criou um fundo de investimentos, administrado por especialistas em mercado financeiro. À GM, coube um aporte inicial de 18 bilhões de dólares. Outros desembolsos foram feitos após a venda de seu braço financeiro, a GMAC, para o fundo de private equity Cerberus por 14 bilhões de dólares. Em três anos, o fundo para aposentadorias saiu de um prejuízo de 17 bilhões de dólares para um lucro de 17 bilhões de dólares. "Nosso problema com as aposentadorias está resolvido", afirma Wagoner. Foi graças a esse fundo que a GM conseguiu reduzir seus prejuízos em quase 9 bilhões de dólares entre 2005 e 2006. "Isso deverá nos liberar caixa para investir em pesquisas e lançar novos carros."
Com o fôlego proporcionado pela economia com aposentadorias, Wagoner pôde se dedicar àquele que costuma ser o maior desafio de uma empresa do tamanho da GM, com seus 285 000 funcionários e operações em 33 países -- mudar. A GM sempre se comportou como se abrigasse quatro companhias independentes: nos Estados Unidos, na Europa, na Ásia e na América Latina. Cada uma tinha centros de desenvolvimento com estruturas próprias, da engenharia ao departamento de marketing, passando por recursos humanos, área comercial e departamento financeiro. O grau de independência era tal que um carro desenvolvido na Europa, por exemplo, dificilmente seria produzido nos Estados Unidos. Cada região respondia por projetos próprios, ainda que fossem redundantes. "O custo de desenvolvimento de um carro é de aproximadamente 1 bilhão de dólares", afirma Michael Robinet, da consultoria americana CSM Auto. "Projetos redundantes são sinônimo de perdas bilionárias."
Para evitar tais redundâncias e aproveitar as sinergias existentes entre as quatro unidades geográficas da GM, Wagoner determinou que todos os centros de desenvolvimento respondam a um único executivo: Robert Lutz, o número 2 da companhia. Além disso, cada um desses centros será responsável pelo desenvolvimento de determinado tipo de veículo. Ao Brasil caberá o desenvolvimento de picapes. Europa e Ásia deverão concentrar a criação de carros compactos. Nos Estados Unidos, serão desenvolvidos os utilitários e as picapes maiores. O primeiro teste dessas sinergias deverá ocorrer já em 2007. O novo Vectra, desenvolvido pela GM européia, também será produzido nos Estados Unidos. Claro, ações desse tipo estão longe de ser a redenção. Afinal, são passos um tanto óbvios -- a surpresa é que não tenham sido dados antes. Estima-se que esse plano simples permita à montadora uma economia de aproximadamente 5 bilhões de dólares ao ano e reduza o tempo de lançamento de novos produtos pela metade. "Precisamos ser mais eficientes e tirar melhor proveito de uma estrutura que já existe", afirma Wagoner. Além disso, a GM mudou o foco de seus lançamentos. Até o ano que vem, oito de seus modelos terão uma versão com motor híbrido, movido a gasolina e eletricidade.
Segundo os especialistas, a GM é a montadora americana que chegou mais longe em sua reestruturação. A Ford e a Chrysler (vendida em maio para o Cerberus) também avançaram e, com isso, o panorama mudou em Detroit. Um estudo recém-concluído pela consultoria Harbour and Associates mostrou que, entre 2002 e 2006, as americanas aumentaram a produtividade de suas linhas de montagem locais em quase 15% -- enquanto Honda e Toyota permaneceram estáveis. Do ponto de vista de custos, as três montadoras estão enxugando suas estruturas de maneira considerada bastante agressiva. Até 2012, cerca de 25 fábricas deverão ser fechadas e 60 000 trabalhadores demitidos. Pela primeira vez na história, o dinheiro para financiar essa reestruturação -- algo em torno de 50 bilhões de dólares -- não virá do caixa dessas companhias. Para conseguir recursos, foram hipotecadas fábricas, máquinas e propriedades. A Ford, presidida por Alan Mullaly, hipotecou até o direito de uso da marca da empresa. É quase como vender a própria alma. "As montadoras vivem um clima de urgência, daí a profundidade das mudanças", afirma Sean McLinden, economista-chefe do Centro para Pesquisa Automotiva nos Estados Unidos.
O caminho para fazer as montadoras americanas crescer e dar lucro ainda está no começo. Mesmo já tendo sanado o problema das aposentadorias, a GM ainda tem de arcar com o imenso passivo dos planos de saúde: um rombo de aproximadamente 60 bilhões de dólares. Além disso, reina nas fábricas das três montadoras um sistema arcaico de distribuição de trabalho. Em algumas das fábricas da GM, existem mais de 50 classificações de funcionários. Isso significa que um operário habilitado a operar uma máquina não pode trocar uma lâmpada, por exemplo. Na Toyota, existem apenas três classificações desse tipo. Além da questão social, prevalece nos Estados Unidos a crença de que os carros japoneses têm melhor qualidade. Com isso, lançamentos como o novo Saturn VUE, da GM, ou o Escape, da Ford, receberam excelentes avaliações da crítica, mas seu desempenho nas vendas continua abaixo do esperado. Segundo estimativas do Centro para Pesquisa Automotiva, o desprezo pelas marcas americanas custa às montadoras cerca de 3 000 dólares em descontos por veículo. Fazer o consumidor voltar a desejar seus carros é mais uma missão de Wagoner -- que, mesmo afundado em problemas, mantém o otimismo. "Nosso plano está dando certo, e é isso o que importa", diz ele. "Vamos lutar até o fim."
A estratégia de Wagoner
O novo plano de ação do presidente da GM
Por que ele perdeu a liderança...
- A GM apostou em carros grandes e beberrões, num momento em que o preço da gasolina atingiu altas históricas
- Os elevados custos com aposentadorias e planos de saúde drenaram os investimentos em inovação e novos produtos
- A empresa se concentrou no mercado americano, muito competitivo e com ínfimas margens de lucro
... e como pretende reconquistá-la
- Criar um fundo de investimentos para cobrir os gastos com planos de saúde, a exemplo do que foi feito com as aposentadorias
- Reduzir pela metade o tempo de lançamento de novos modelos — atualmente, o desenvolvimento de carros demora em média seis anos
- Apostar em mercados emergentes, como China, Índia e Brasil — onde as montadoras japonesas não têm presença marcante
Fonte: Por Carolina Meyer, in portalexame.abril.com.br
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