Pular para o conteúdo principal

Pequenas empresas aderem à gestão sustentável

Menor capacidade de investimento não é um obstáculo a projetos socialmente responsáveis. O movimento da responsabilidade social começou de cima para baixo. As primeiras empresas a aderirem a este conceito de gestão foram as de grande porte, algumas delas hoje referências em práticas de sustentabilidade aplicadas às estratégias de negócio. Agora, as pequenas e médias começam a entrar no jogo. E com vontade de fazer a diferença. A despeito - ou por causa - da menor capacidade de investimento, da pequena infra-estrutura e da falta de conhecimento sobre o tema e suas implicações, cada vez mais as corporações de menor porte procuram, por exemplo, o apoio de organizações como o Instituto Ethos para darem o primeiro passo na implantação de políticas de responsabilidades social.

De acordo com o presidente do Ethos, Ricardo Young, há muitas razões para o aumento da adesão. "Em primeiro lugar, as empresas menores dependem muito da comunidade e dos consumidores ao seu redor. Quando se posicionam de maneira socialmente responsável, desenvolvem uma relação transparente com os clientes, agregam valor e acabam sendo mais resistentes a crises. É uma forma de proteção do negócio", analisa.

Segundo ele, a situação é sem saída - no bom sentido, é claro - para as empresas que fazem parte de cadeias produtivas, especialmente encabeçadas por grandes corporações. As empresas maiores - ressalta - mantêm uma relação de confiança com o consumidor, que garante a permeabilidade da responsabilidade social em todo o processo de prestação de serviço ou de produção e comercialização. "Pequenas e médias empresas têm sido até mesmo financiadas pelas grandes, para manter a integridade da cadeia. Seja por essa razão, seja por uma questão de competitividade, essas instituições estão sendo cada vez mais convocadas para a RSE", observa Young.
Tear e Fórum Empresa

Patrícia Sogayar, coordenadora geral do Programa Tear (Tecendo Redes Sustentáveis), concorda. "Independentemente do porte, é possível transformar a gestão de qualquer empresa em socialmente responsável. Muitas vezes é mais fácil para as pequenas, que têm menos processos para alterar", defende. Promovido pelo Ethos em parceria com o BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento), o Tear envolve 120 empresas, das quais nove são as chamadas "âncoras" do projeto, representantes de sete setores da economia.

Com experiência em responsabilidade social, as grandes corporações usam a metodologia desenvolvida pelo Ethos para capacitar pequenas empresas que fazem parte de sua cadeia produtiva. O objetivo é disseminar a cultura da sustentabilidade. "O programa tem profundidade, não é um curso. São três anos de desenvolvimento nos quais a empresa deve mobilizar suas equipes, trabalhar com consultores e alterar o seu planejamento", explica Paulo Itacarambi, diretor-executivo do Ethos.

Além do Tear, o Ethos realiza ação semelhante, em parceria com o BID, a OEA (Organização dos Estados Americanos) e o Forum Empresa, organização não-governamental com sede no Chile e atuação em toda a América Latina. O projeto, também dirigido a pequenas e médias empresas, está dividido em três etapas: o desenvolvimento da capacidade local e a promoção da RSE, a formação de grupos de trabalho para colocar em prática as discussões, e o fortalecimento de uma rede regional de organizações, com a difusão de resultados. Representante brasileiro na empreitada, o Ethos é uma das quatro instituições ligadas à iniciativa, junto com a Acción RSE, do Chile; a Fundemas, de El Salvador; e a Peru 2021, do Peru. As participantes devem articular, a partir da metodologia proposta pelo Forum Empresa, estratégias de trabalho com as empresas de cada país.

Quem aprende com os projetos não são apenas as corporações. Os coordenadores garantem que, baseados na experiência, passaram a compreender melhor alguns elementos essenciais para o bom funcionamento das iniciativas de responsabilidade social empresarial. Comprometimento é um deles. "Um aprendizado importante é sobre a necessidade de trabalhar de maneira estruturada, de forma que os altos dirigentes percebam claramente o valor que a RSE vai agregar às suas operações", relata Itacarambi. Também é preciso atentar - assegura o diretor-executivo - para a cooperação e o compartilhamento dos conteúdos. Além disso, a pequena empresa tem o papel de desenvolver sua própria cadeia e, dessa maneira, pode, inclusive, influenciar outras empresas do mesmo porte.

Os resultados ainda não foram totalmente mensurados, já que os dois programas seguem em andamento. Mas os organizadores da experiência educacional já percebem algumas mudanças concretas no comportamento das empresas participantes. "O primeiro impacto foi uma alteração de perspectiva. Elas começaram a enxergar novas possibilidades de negócio e aspectos de sustentabilidade a serem perseguidos", diagnostica Patrícia. Outras transformações, segundo ela, ocorreram no nível operacional. "Diversas corporações implantaram a coleta seletiva e processos internos mais democráticos de decisão. Também passaram a incorporar a RSE na relação com os fornecedores e funcionários. Algumas já comentam, inclusive, que, por participarem do Tear, tiveram novas oportunidades de mercado."

Como nenhuma mudança de prática consolidada ocorre sem sobressaltos, as pequenas empresas participantes do Tear enfrentaram alguns obstáculos ao longo do processo. Entre eles, Patrícia destaca a falta de comprometimento da alta direção, resistências à quebra de paradigmas, pouca conscientização das partes interessadas, difícil encaminhamento das práticas de RSE aos fornecedores, carência de apoio à disseminação e dificuldade em demonstrar que a responsabilidade social consiste em investimento, e não custo. "Está claro que existe um grande dilema nas pequenas empresas em relação ao fato de elas terem uma tributação semelhante às grandes", complementa Itacarambi.

Para Ricardo Young, o maior entrave está, no entanto, no entendimento do que é ser socialmente responsável. O segundo obstáculo importante reside no exercício de compreender como a RSE se aplica ao negócio em particular. "No caso de pequenas e médias empresas, cabe a aplicação dos indicadores Ethos, para que elas possam observar em que aspectos estão mais vulneráveis e começarem a adotar suas políticas", sugere. A terceira barreira a ser superada - enfatiza - diz respeito ao conhecimento limitado sobre como a responsabilidade social pode alavancar os negócios e que oportunidades podem ser perdidas pela falta da visão sustentável. "Um autor como o José Saramago, por exemplo, exige que seus livros sejam impressos por editora que possua selo verde. Se não tiver a certificação, a editora vai perder esse importante negócio. Por isso, precisa se adaptar", exemplifica.

Da parte das empresas que estão começando seu contato com a RSE, o sucesso da implementação também é prejudicado por alguns percalços. Mas nada que impeça o bom resultado final. A BEM Emergências Médicas, por exemplo, participa da iniciativa do Ethos e do Forum Empresa. No início do processo, na aplicação dos indicadores de RSE, encontrou dificuldades em reunir todos os dados, espalhados em diversos departamentos. No entanto, o esforço valeu a pena. "Também foi complicado sair do plano virtual para a prática, até mesmo para podermos nos comparar ao mercado. Os resultados cartesianos foram surpreendentemente intuitivos, e por isso entender o conceito de responsabilidade social acabou sendo fundamental para seguir em frente", conta Glauco Micheliotti, diretor superintendente. Outro desafio foi repercutir as mudanças para os funcionários, fornecedores e clientes. "A iniciativa tem que ser interessante para esses grupos, porque, de outra forma, não há adesão."

A Fábrica de Idéias, outra média empresa participante do Forum Empresa, não teve problemas no engajamento de seus colaboradores. É o que garante a diretora financeira, Renata Reis. O desafio mais complexo, segundo ela, foi adaptar a implantação da RSE à rotina corporativa. "Tivemos que fazer muita pesquisa, que os funcionários precisaram executar junto com as suas funções habituais. Além disso, eles não tinham ferramentas de auxílio", pondera.

Segundo Andréa Galasso, diretora geral do Banco de Eventos, a questão financeira constitui outro obstáculo. Empresa média de comunicação, ela não participou dos programas, mas está vinculada ao Ethos e incorporou a RSE à sua gestão em 2005. Além de aderir aos princípios da responsabilidade social, hoje também leva aos seus clientes propostas de trabalho com uma base sustentável. Mas nem sempre eles estão dispostos - acentua - a arcar com os custos da minimização de seus impactos. "Em algumas situações temos que realizar um investimento. Isso é óbvio. Mas algumas empresas ainda não têm consciência disso", afirma Andréa, para quem "todo esse trabalho no fundo só faz sentido se for de dentro para fora".

Internalizar a RSE, como defende Andréa, é o primeiro passo para que as pequenas e médias empresas comecem a colher os frutos de seus investimentos em uma gestão mais sustentável. Segundo Micheliotti, da BEM, e Renata, da Fábrica de Idéias, alguns benefícios já podem ser observados. "Podemos notar, primeiro, a valorização e envolvimento dos nossos colaboradores, que se identificam mais com a empresa.
Em segundo lugar, também tem sido um diferencial de mercado. Hoje podemos nos comparar a empresas mais avançadas. Agora é muito mais fácil perceber nossos gaps", analisa Micheliotti. Renata comemora as vantagens das ferramentas de avaliação, que ajudam na tomada de decisões. "Espero que a RSE seja um diferencial para o meu negócio no mercado. Como meus clientes são grandes empresas, tenho esperança que o fato de estarmos envolvidos com a responsabilidade social nos valha um ponto a mais na hora de fechar um pedido", entusiasma-se.

Para Ricardo Young, pequenas e médias empresas interessadas em aderir à RSE devem buscar capacitação. Há, em sua opinião, bons programas básicos e de especialização, por exemplo, nas fundações Getúlio Vargas e Dom Cabral. Uma segunda recomendação do presidente do Ethos é que os gestores levem o tema a sério. "Se fazem parte de uma cadeia grande, não devem ter nenhuma timidez em falar com a empresa mais experiente. As grandes empresas vão perceber isso como um mérito, algo que vai qualificá-las", acredita.


Fonte: Por Carmen Guerreiro, in Gazeta Mercantil/Caderno A - Pág. 16

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

H2OH! - um produto desacreditado que virou sucesso

O executivo carioca Carlos Ricardo, diretor de marketing da divisão Elma Chips da Pepsico, a gigante americana do setor de alimentos e bebidas, é hoje visto como uma estrela em ascensão no mundo do marketing. Ele é o principal responsável pela criação e pelo lançamento de um produto que movimentou, de forma surpreendente, o mercado de bebidas em 11 países. A princípio, pouca gente fora da Pepsi e da Ambev, empresas responsáveis por sua produção, colocava fé na H2OH!, bebida que fica a meio caminho entre a água com sabor e o refrigerante diet. Mas em apenas um ano a H2OH! conquistou 25% do mercado brasileiro de bebidas sem açúcar, deixando para trás marcas tradicionais, como Coca-Cola Light e Guaraná Antarctica Diet. Além dos números de vendas, a H2OH! praticamente deu origem a uma nova categoria de produto, na qual tem concorrentes como a Aquarius Fresh, da Coca-Cola, e que já é maior do que segmentos consagrados, como os de leites com sabores, bebidas à base de soja, chás gelados e su

Doze passos para deixar de ser o “bode expiatório” na sua empresa

Você já viu alguma vez um colega de trabalho ser culpado, exposto ou demitido por erros que não foi ele que cometeu, e sim seu chefe ou outro colega? Quais foram os efeitos neste indivíduo e nos seus colegas? Como isso foi absorvido por eles? No meu trabalho como coach, tenho encontrado mais e mais casos de “bodes expiatórios corporativos”, que a Scapegoat Society, uma ONG britânica cujo objetivo é aumentar a consciência sobre esta questão no ambiente de trabalho, define como uma rotina social hostil ou calúnia psicológica, através da qual as pessoas passam a culpa ou responsabilidade adiante, para um alvo ou grupo. Os efeitos são extremamente danosos, com conseqüências de longo-prazo para a vítima. Recentemente, dei orientação executiva a um gerente sênior que nunca mais se recuperou por ter sido um dia bode expiatório. John, 39 anos, trabalhou para uma empresa quando tinha algo em torno de 20 anos de idade e tudo ia bem até que ele foi usado como bode expiatório por um novo chefe. De

Conselho Federal de Marketing?

A falta de regulamentação da profissão de marketing está gerando um verdadeiro furdunço na Bahia. O consultor de marketing André Saback diz estar sendo perseguido por membros do Conselho Regional de Administração da Bahia (CRA/BA) por liderar uma associação – com nome de Conselho Federal de Marketing e que ainda não está registrada – cujo objetivo, segundo ele, é regulamentar a profissão. O CRA responde dizendo que Saback está praticando estelionato e que as medidas tomadas visam a defender os profissionais de administração. Enquanto André Saback, formado em marketing pela FIB - Centro Universitário da Bahia -, diz militar pela regulamentação da profissão, o Presidente do CRA/BA, Roberto Ibrahim Uehbe, afirma que o profissional criou uma associação clandestina, está emitindo carteirinhas, cobrando taxas e que foi cobrado pelo Conselho Federal de Administração por medidas que passam até por processar Saback, que diz ter recebido dois telefonemas anônimos na última semana em tom de ameaç